Para todos os gostos
Uma grande expectativa. O holandês Paul Verhoeven vinha de dois colossais fracassos, ‘Show Girls’ e ‘Tropas Estelares’, mas seu currículo anterior na Europa e a originalidade, a franqueza e o impacto de ‘Instinto Selvagem’ eram fatores ainda a pesar no lado otimista da balança. Quando a Columbia anunciou seu nome para dirigir ‘O Homem Sem Sombra’ , sobre argumento que revisitava o tema sempre fascinante da invisibilidade, a boa vontade foi ainda maior. Afinal, Verhoeven registra em sua carteira de créditos americanos dois bons filmes recentes de ficção-científica, ‘Robocop’ e ‘O Vingador do Futuro’. Pelo menos o primeiro tem resistido ao tempo e já assegurou lugar de honra na galeria de clássicos de ação futurista.
‘O Homem Sem Sombra’ fica muito aquém da reação que era de se esperar do diretor. Burocrata, neutro, distante mesmo no trato das implicações/complicações psicológicas e éticas geradas pela ‘vazia onipresença’ do ser invisível, Verhoeven se limitou a seguir o manual. Leu o texto opaco do roteiro e reproduziu a ausência de brilho, a vacuidade. Inoperante, preferiu não assumir os riscos que fizeram de ‘Basic Instinct’ um exemplo de saudável atrevimento. No capítulo clichês, a situação é quase alarmante como se nota no resumo do argumento que pode ser lido no press-release distribuído pela Columbia: o filme se passa ‘num laboratório militar altamente secreto’.
Um grupo de ‘cientistas jovens e brilhantes’ descobriu o segredo da invisibilidade. O líder do grupo é ‘arrogante’. Ele ‘ignora os perigos’ e decide testar o soro da invisibilidade em si mesmo. Quando seus colegas se mostram incapazes de reverter o processo, o ‘efeito da intoxicação aumenta o o novo poder do cientista-líder, e ele passa a considerar os demais como uma ameaça a sua própria vida’.
E isto é o filme, assim mesmo, numa casca de noz. Cientista enlouquece. Nenhuma surpresa, nenhuma reviravolta, nada além desse esmaecido esboço geral. Kevin Bacon interpreta Sebastian Caine, mente privilegiada que, nas pesquisas em busca do sonho da invisibilidade, já dizimou mais ratos, cães e macacos do que qualquer outro projeto que trabalhe com cobaias. Os companheiros de trabalho são sua ex-paixão Linda Foster (Elizabeth Shue); o novo namorado dela, Matt Kensington (Josh Brolin); e Sarah (Kim Dickens), rigorosamente maquiavélica no trato com os animais do laboratório. Há ainda dois dispensáveis tecno-experts que habitam uma estação de controle, empenhados em passar alguma credibilidade como profissionais de gênio.
Em pouco tempo, Caine começa a ministrar o soro em suas próprias veias. E mente ao patrão no Pentágono, o Dr. Kramer (William Devane), sobre a necessidade de mais tempo para aperfeiçoar o processo. Ele teme que os militares assumam o projeto e neguem a ele a primazia de ser o primeiro homem invisível do planeta. Embora de todo improvável que este amalucado e decepcionante indivíduo seja apoiado pelos colegas, é o que acaba acontecendo: Linda e Matt dão respaldo ao esquema desonesto.
Este é o momento crucial do filme, quando Verhoeven perde sua maior e melhor chance de subverter um roteiro tolo e partir para a transgressão. Agora bem- sucedido, Caine tem o mundo a seu dispor e a seu prazer. Quando entra sorrateiramente no apartamento da atraente vizinha, o filme subentende que seus instintos básicos estão no comando e ele assalta a mulher. Mas toda a sequencia acaba abruptamente, como se Verhoeven repentinamente tivesse medo de realmente examinar o terror e a repulsa provocados por este poder indisciplinado. Um homem tão instável como Caine recorreria ao estupro, mesmo tendo nas mãos o segredo da invisibilidade? Como a sequência é paralisada, o espectador não fica sabendo: é uma provocação barata que faz a ludibriada e manipulada.
Na melhor cena de filme, Caine injeta fluidos coloridos na veia de um gorila sedado. O animal está invisível. O cientista tenta reverter o estado do primata com a poção e consegue reorganizar a estrutura do corpo, que começa a aparecer diante de nossos olhos até que o gorila esteja completamente intacto. Este é apenas um dos estonteantes exemplos dos efeitos especiais do novo milênio. No caso, mais aterrador é constatar a completa dependência de ‘O Homem Sem Sombra’ diante de sua concepção high-tech. Talvez – quem pode afirmar ? – Verhoeven tenha sido pressionado pelo estúdio a manter as coisas em andamento cool, e tenha se convencido que os prodigiosos efeitos seriam suficientes para garantir a audiência.
Pensando em H. G. Wells: nada do que está em ‘Hollow Man’ desperta nem de longe uma citação do grande visionário inglês. O filme de Verhoeven passa muito ao largo de temas maiores tratados na ficção wellsiana – em especial em ‘O Homem Invisível’ –, como a incompetência dos governos ao tratar os avanços da ciência e os conflitos éticos dos cientistas diante de suas descobertas e experimentos.
‘O Homem Sem Sombra’ fica muito aquém da reação que era de se esperar do diretor. Burocrata, neutro, distante mesmo no trato das implicações/complicações psicológicas e éticas geradas pela ‘vazia onipresença’ do ser invisível, Verhoeven se limitou a seguir o manual. Leu o texto opaco do roteiro e reproduziu a ausência de brilho, a vacuidade. Inoperante, preferiu não assumir os riscos que fizeram de ‘Basic Instinct’ um exemplo de saudável atrevimento. No capítulo clichês, a situação é quase alarmante como se nota no resumo do argumento que pode ser lido no press-release distribuído pela Columbia: o filme se passa ‘num laboratório militar altamente secreto’.
Um grupo de ‘cientistas jovens e brilhantes’ descobriu o segredo da invisibilidade. O líder do grupo é ‘arrogante’. Ele ‘ignora os perigos’ e decide testar o soro da invisibilidade em si mesmo. Quando seus colegas se mostram incapazes de reverter o processo, o ‘efeito da intoxicação aumenta o o novo poder do cientista-líder, e ele passa a considerar os demais como uma ameaça a sua própria vida’.
E isto é o filme, assim mesmo, numa casca de noz. Cientista enlouquece. Nenhuma surpresa, nenhuma reviravolta, nada além desse esmaecido esboço geral. Kevin Bacon interpreta Sebastian Caine, mente privilegiada que, nas pesquisas em busca do sonho da invisibilidade, já dizimou mais ratos, cães e macacos do que qualquer outro projeto que trabalhe com cobaias. Os companheiros de trabalho são sua ex-paixão Linda Foster (Elizabeth Shue); o novo namorado dela, Matt Kensington (Josh Brolin); e Sarah (Kim Dickens), rigorosamente maquiavélica no trato com os animais do laboratório. Há ainda dois dispensáveis tecno-experts que habitam uma estação de controle, empenhados em passar alguma credibilidade como profissionais de gênio.
Em pouco tempo, Caine começa a ministrar o soro em suas próprias veias. E mente ao patrão no Pentágono, o Dr. Kramer (William Devane), sobre a necessidade de mais tempo para aperfeiçoar o processo. Ele teme que os militares assumam o projeto e neguem a ele a primazia de ser o primeiro homem invisível do planeta. Embora de todo improvável que este amalucado e decepcionante indivíduo seja apoiado pelos colegas, é o que acaba acontecendo: Linda e Matt dão respaldo ao esquema desonesto.
Este é o momento crucial do filme, quando Verhoeven perde sua maior e melhor chance de subverter um roteiro tolo e partir para a transgressão. Agora bem- sucedido, Caine tem o mundo a seu dispor e a seu prazer. Quando entra sorrateiramente no apartamento da atraente vizinha, o filme subentende que seus instintos básicos estão no comando e ele assalta a mulher. Mas toda a sequencia acaba abruptamente, como se Verhoeven repentinamente tivesse medo de realmente examinar o terror e a repulsa provocados por este poder indisciplinado. Um homem tão instável como Caine recorreria ao estupro, mesmo tendo nas mãos o segredo da invisibilidade? Como a sequência é paralisada, o espectador não fica sabendo: é uma provocação barata que faz a ludibriada e manipulada.
Na melhor cena de filme, Caine injeta fluidos coloridos na veia de um gorila sedado. O animal está invisível. O cientista tenta reverter o estado do primata com a poção e consegue reorganizar a estrutura do corpo, que começa a aparecer diante de nossos olhos até que o gorila esteja completamente intacto. Este é apenas um dos estonteantes exemplos dos efeitos especiais do novo milênio. No caso, mais aterrador é constatar a completa dependência de ‘O Homem Sem Sombra’ diante de sua concepção high-tech. Talvez – quem pode afirmar ? – Verhoeven tenha sido pressionado pelo estúdio a manter as coisas em andamento cool, e tenha se convencido que os prodigiosos efeitos seriam suficientes para garantir a audiência.
Pensando em H. G. Wells: nada do que está em ‘Hollow Man’ desperta nem de longe uma citação do grande visionário inglês. O filme de Verhoeven passa muito ao largo de temas maiores tratados na ficção wellsiana – em especial em ‘O Homem Invisível’ –, como a incompetência dos governos ao tratar os avanços da ciência e os conflitos éticos dos cientistas diante de suas descobertas e experimentos.