Estreias

Fina iguaria com tempero Pixar

06 jul 2007 às 17:25

O festejado estúdio de animação Pixar deve ter produzido ''Ratatouille'' em regime de muito stress. Não somente porque o filme era essencial no processo de recuperação de credibilidade depois do meio fracasso que foi ''Carros'', mas também para enfrentar a concorrência sem criatividade, mas agressiva, que saturou todos os mercados do planeta com filmes animados em busca do muito vasto e muito rentável publico infantil.

Felizmente ''Ratatouille'' esteve desde sempre aos cuidados do diretor Brad Bird, um visionário egresso de merecidos sucessos - várias temporadas de ''Os Simpsons'' e o longa ''Os Incríveis''.


No mesmo nível destes exemplos citados, o filme que chega ao território brasileiro é uma obra tão cheia de graça, divertida e criativa como as melhores com o selo da Pixar, aqui especialmente incluídos ''Toy Story'', ''Vida de Inseto'', ''Procurando Nemo'' e ''Monstros & Cia''. E muito, mas muito superior às pálidas e ruidosas imitações de outras fontes que, como um chef de cuisine de segunda linha, substituem qualidade por quantidade.


''Ratatouille'' centraliza seu foco nas aventuras de Rémy, um sensível rato que vive com seu enorme clã na periferia de Paris. Obrigado pelas circunstâncias a se alimentar de lixo, no entanto ele é extremamente interessado na melhor cozinha, graças à influência de um best seller (e programa de televisão) escrito pelo falecido guru da culinária, Chef Gusteau, imortalizado por um conselho simples mas de influência decisiva: ''Qualquer um pode cozinhar''.


E como no universo da animação - e na mente prodigiosa em originalidade do diretor Bird - tudo é possível, o destino e as convicções conduzirão Remy ao mesmíssimo restaurante Gusteau, mergulhado em crise depois da morte do dono.


Na cozinha do lugar, nosso herói formará uma improvável (mas afinal inquestionável) dupla com o jovem Linguini, aspirante a chefe mas no momento apenas um desses típicos perdedores, aquele tipo condenado a lavar pratos e tirar o lixo como últimas opções de trabalho.


Mas o talento incomum e a persistência do ratinho (escondido no gorro de cozinheiro) para armar alquimias gastronômicas conduzirão Linguini ao estrelato, alguém capaz de ressuscitar o restaurante em que pesem as tramóias de Skinner, o perverso, invejoso e ambicioso chefe da cozinha.


Bem, este é o argumento muito bem tramado de ''Ratatouille'' - aliás, por definição, um muito apreciado cozido vegetariano francês da região da Provence. E quanto à forma como este fervilhante banquete de idéias chega à mesa do espectador? Bem, estamos diante de imagens assombrosas. Nestas alturas nos habituamos ao extraordinário foto-realismo de filmes como ''Shrek Terceiro'' ou ''Os Sem-Floresta''.


Mas a façanha da Pixar vai mais além de simplesmente criar objetos e lugares indistinguíveis da realidade. A animação dos personagens é perfeita, e leva a pensar que, no conjunto de filmes com animais antropomórficos, Pixar é um dos raros estúdios que se atreve a conservar o comportamento real dos referidos animais, e não apenas ''vestir'' um personagem genérico com um disfarce de animal.


Assim, o protagonista do filme, sendo um rato, naturalmente se comporta como tal, e ainda leva o público ao envolvimento afetivo com a espécie, mostrando o lado familiar e amável destes bichos via de regra repudiados pelos homens. Alguém poderia, quem sabe, enxergar algum recado de integração racial neste congraçamento entre roedores e humanos, e não estaria aí nenhuma extravagância de interpretação.


''Ratatouille''pode ser apreciado em pelo menos dois níveis de leitura, um mais epidérmico em consideração aos menores na platéia, e outro verticalizado para a ótica dos adultos. Há no filme inteligência fina, humor que oscila do inocente ao negro, capacidade de entreter e seduzir e até um apelo comedido à veia romântica e à comédia física no melhor estilo slapstick.

É também um hino às ruas, à gastronomia e àquela Paris que habita o imaginário de muitos como espaço essencial de finesse. E afinal é ainda uma sátira à mistificação em que se transformou a arte de cozinhar, seus exageros, sua pretensão desmedida, seu artificialismo e sua vulgarização.


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