Estreias

Extraterrestres do terror

29 jun 2005 às 11:31

Mais de duas décadas depois de ''Contatos Imediatos do Terceiro Grau'' (1977) e de ''E.T.'', o diretor Steven Spielberg volta a considerar a hipótese de uma incursão alienígena a este nosso modesto endereço no universo.

A diferença quanto à natureza do argumento é que naqueles títulos os visitantes eram amáveis, cordiais e sociáveis. Os de agora são portadores de muita maldade. São mortíferos e causam terror. E por isso provocam medo, muito medo. Não exatamente aquele medo-aflição que os espectadores de ''Encurralado'', ''Tubarão'', ''A Lista de Schindler'' ou ''O Parque dos Dinossauros'' sentiram nas matinês, mas um medo muito mais denso, uma perspectiva de quase pré-apocalipse.


Também pudera, há quase três décadas o alienígena Osama Bin Laden ainda não tinha dado as caras em Manhattan, e o 11 de setembro era apenas uma data qualquer no calendário.


Nesta versão de Spielberg sobre ''Guerra dos Mundos'', há uma cena-emblema que bate com força no espectador. E faz pensar que o filme vai um tanto além das profecias de H. G. Wells, autor do texto literário original. Uma cena que eleva esta história a um patamar de seriedade acima daquele das evasivas sessões de entretenimento. Um momento que transcende a sempre recorrente infância do diretor que, todos sabem, encontra meios ou artifícios de transplantar as experiências pessoais exorcizando as fantasias mais temerárias para suas narrativas. Uma cena, enfim, que escapa ao contexto da história bem narrada, uma cena que supera a carga de suspense, ansiedade, angustia e medo.


É um trem que passa, já transcorrida cerca de uma hora de filme. O caos é ilimitado, a destruição já está em toda parte, o horror é inenarrável. A multidão em pânico entre cadáveres e destruição pára impaciente diante da linha do trem. O comboio então cruza diante daquelas pessoas, em chamas, quase destruído, veloz. É um ataúde móvel, repleto de passageiros sentados, e agora indiferentes à morte.


E é neste momento que o público pode se dar conta de que ''Guerra dos Mundos'' é também uma metáfora sobre o terrorismo, que impõe o medo a qualquer um, em qualquer lugar do mundo, a qualquer momento. Em Madri, Nova York, Bagdá ou outros alvos.


Ray Ferrier (Tom Cruise) é operário classe média, divorciado e egoísta. Ou o herói que não é herói. O filho adolescente e a filha menina não têm exatamente a mesma opinião sobre ele. O que poderia ser pior? Talvez o inexplicável. Ou o inesperado. Como, por exemplo, toda a vizinhança ficar à mercê da destruição, por obra de uma invasão extra-terrestre que ambiciona também aniquilar o restante da Terra. É preciso fugir para algum lugar seguro, enquanto se tenta resistir.


Mas quando as forças contrárias estão além da simples compreensão, não obedecem a qualquer lógica e ainda se revelam de outro mundo, as coisas ficam infinitamente mais complicadas. Muito mais ainda quando não há por perto cientistas com PhD em ufologia ou militares presunçosos e de grande precisão tática.


Quando todos os sobreviventes se equiparam na impotência para lidar com o inusitado que vem do espaço sideral. Aqui o medo tem a escala humana do anti-heroísmo, e se trata de salvar a pele.


Uma vez mais se mostra esplêndida a capacidade que tem Spielberg de orquestrar sua narrativa. O dom do envolvente contador de casos, sutil, inteligente, pleno. E qual a maior virtude deste relato aterrador ? A variedade de sensações que provoca. Gradualmente, etapa por etapa.


O começo destruidor é apenas um preâmbulo para os momentos solidamente emocionais que virão a seguir. O olhar sombrio que Spielberg lança sobre a história é provavelmente aquele que Wells imprimiria se escrevesse nos dias que correm. O caos humano é secundário, mas muito intenso, apoiando com solidez a realidade descrita.


O medo é alimentado por nossas próprias expectativas, pelo nosso fértil imaginário pessoal, já que os invasores e suas engenhocas vão sendo introduzidos gradualmente, criando a atmosfera que é afinal o personagem mais impactante.


O melhor em tudo isso é que, embora a técnica aqui empregada seja a mais avançada em termos de digitalização de imagens, Spielberg jamais se submete ao pessoal perito da IL&M, a Industrial Light & Magic de George Lucas. O olho do diretor é que coloca a tecnologia a seu serviço , a sua vontade.

Mas nem tudo serão flores neste megalançamento mundial. ''Guerra dos Mundos'' deverá se colocar na linha de fogo entre apaixonados incondicionais que carregam a bandeira spielberguiana acima de qualquer coisa e os detratores, que não perdoarão uma certa ôinfidelidade" aos originais de mestre H. G. Wells. Mas isso já é uma outra história.


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