O jogo está posto, façam suas apostas. O título que faltava para o cinéfilo londrinense arriscar seus palpites sobre o grande vencedor do Oscar na noite de domingo chega finalmente ao circuito local. ‘Ray’ não vai mesmo ganhar como melhor filme, mas é favorito disparado para proporcionar o prêmio de melhor ator a Jamie Foxx no papel-título.
Ele ainda aparece com chances entre as candidaturas de coadjuvante, como o estressado taxista de ‘Colateral’. Nos 78 anos da história do prêmio, Foxx é o décimo intérprete a conseguir esta dupla nominação.
Mais uma entre as diversas cinebiografias este ano gravitando em torno do Oscar, o filme dirigido por Taylor Hackford conta a história do grande Ray Charles, desde as origens menos favorecidas na Geórgia natal e na Florida até a plenitude como artista, em trajetória complicada pela deficiência visual, tumultuada pela luta anti-segregacionista e exasperada pela turbulência amorosa, sem excluir deste contexto uma heróica superação ao uso de drogas pesadas.
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Ray Charles Robinson foi uma das figuras máximas do rythm & blues, do jazz-blues e da soul music com elementos gospel, um mestre da composição e, acima de tudo, da interpretação vocal e pianística, apaixonada, emocional, uma influância decisiva para os grandes roqueiros contemporâneos, que nunca negaram a dívida que tinham para com esta prodigiosa fonte seminal.
Ray foi um homem que venceu sua precoce limitação física (ficou cego aos 7 anos) para afinal converter-se em mito e personagem chave para o reconhecimento integral da música negra. E esta é uma realidade de domínio público, conhecida bem antes de o filme existir.
Uma restrição comum sobre filmes biográficos é a de que se limitam a mostrar fatos supostamente reais, mas sem mergulhar mais fundo nas motivações e na personalidade do personagem. Por isso, muitas vezes o espectador assiste a história da pessoa, mas fica sem realmente conhecer o indivíduo.
Ao final dos 152 minutos de ‘Ray’ restam uma dúvida e uma certeza: não fica lá muito claro se o roteiro conseguiu que Charles fosse desnudado o suficiente; mas por outro lado ninguém pode acusar o diretor Hackford de não ter tentado com entusiasmo.
Convenhamos. O filme não é tão bom como é o intérprete. Nas duas horas e meia de duração (nos Estados Unidos já foi lançada em DVD a versão do diretor, ou o ‘director’s cut’, com 178 minutos) há longas passagens de relevância bem mais que duvidosas - são desnecessárias e tediosas.
Os esforços para humanizar o personagem com a recriação de sua infância e a inclusão de alucinações produzidas por um episódio traumático (o afogamento de um irmão menor) roçam ocasionalmente o ridículo.
No entanto, deve-se reconhecer o esforço da direção pelas tentativas de ilustrar as motivações e os conflitos internos de Charles, embora esta técnica nunca funcione a contento. E isto porque Hackford é quem se pode chamar de diretor rotineiro e impessoal - aquele narrador competente, mas incapaz de marcar seu território com a força de um estilo definido, assinando sempre filmes que nunca são integralmente ruins, mas carentes de personalidade definidora, de marca registrada enfim (‘A Força do Destino’, ‘O Advogado do Diabo’, ‘Eclipse Total’, ‘Prova de Vida’).
Trabalhando apenas dentro dos limites estritos de um gênero mimético e parasita como é a cinebiografia, Hackford não soube alçar vôo mais arrojado, o que determina a satisfação das expectativas de reverência do espectador. Se por momentos a trama anda bem e se distancia dos clichês da biografia homem-pobre-que-triunfa-apesar-de-tudo, há muitos outros em que a ‘história oficial’ se intromete e permanece.
O melhor desse filme extenso fica mesmo por conta de Jamie Foxx e da música. O ator, com bravura e inegável ‘espírito de corpo’, faz ressuscitar Ray Charles com memorável repertório de minúcias. O trabalho, pouco mais que perfeito e que já rendeu a Foxx um Globo de Ouro, deverá ser recompensado domingo com outra estatueta dourada, sonho maior de toda a comunidade hollywoodiana.