Quando se entra num cinema hoje, e o que se anuncia é um filme hollywoodiano de ação, difícil é distinguir se o que está na tela é um playstation de última geração ou uma narrativa ficcional com personagens de carne e osso e sentimentos. Felizmente a trilogia Bourne (''A Identidade'', ''A Supremacia'' e ''O Ultimato'') vem na contramão daquela primeira e dominante tendência, mecânica, artificiosa, burra.
Matt Damon, o atual bom de bilheteria - em cada dólar que cobra, o filme arrecada (e lucra) na bilheteria outros 29 -, já confessou sua predileção por personagens que não são o que parecem. Ou vice-versa. No ''Infiltrados'' de Scorsese ele foi um mafioso na polícia de Massashusetts. Com direção de De Niro, em ''O Bom Pastor'', o insondável agente da CIA que tudo relega, família inclusive, a serviço míope da pátria. E com Jason Bourne, um personagem emocionalmente impenetrável, espião que se descobriu sem identidade no primeiro filme (2002) da série baseada nas novelas de Robert Ludlum.
Na continuação, em 2004 (''A Supremacia Bourne''), o hermético agente rompeu as trevas da amnésia e tomou consciência do que era: uma máquina treinada para matar e que alguém tinha o máximo interesse em aniquilar.
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E nesta terceira, ''O Ultimato Bourne'', o mistério já mais ou menos suspeitado é afinal revelado por completo: o espião era parte de um programa da CIA que o transformou em assassino legal (?!) e anulou sua identidade anterior.
Agora ele recupera não só a memória, mas a própria identidade, o seu Eu verdadeiro, isto depois de pavimentar sua trajetória pela Rússia, Marrocos, França, Inglaterra e Espanha com cadáveres, explosões e perseguições. É puro cinema de ação, de ritmo prodigioso, ao mesmo tempo efetivo e espetacular. E alguma coisa mais. Quem se encarregou de dirigir os dois últimos da trilogia foi o muito articulado Paul Greeengrass, mestre da narrativa em tempo real, como demonstrou em ''Domingo Sangrento'' e ''Vôo United 93''.
Se James Bond foi sempre o herói que usava sem escrúpulos sua licença 007 para matar, que se ligava às mulheres sem qualquer avaliação de riscos, na cama inclusive, vestia smoking e conduzia um Aston Martin pelas encostas de Monte Carlo, por usa vez Jason Bourne é um outsider desprovido de glamour, que sente na consciência o peso de cada morte, e que perde o amor de sua vida, Marie (Franka Potente).
Sem muito proselitismo, que certamente amarraria o ritmo do filme, subliminarmente Greengrass fez também um drama existencial, e de certa forma a procura insaciável de Bourne não deixa de ser uma jornada metafísica. O tempero político também está presente. ''Se você segue por esta via, quando poderá sair?'' , pergunta uma vigorosa democrata. ''Quando ganharmos'', responde o lado obscuro, parafraseando as ''seletivas'' sentenças de George Bush sobre ''bons'' e ''maus''.