Não faltam desde sempre especialistas a assegurar e alertar sobre a incomunicabilidade como flagelo social e existencial. Sociólogos, antropólogos, psicólogos e profissionais da sanidade física e mental não abrem mão do alerta sobre a falta de canais de comunicação entre seres humanos e da consequência perversa deste silêncio.
E os artistas, de uma ou de outra maneira, nesta ou naquela expressão criadora, sempre pegaram carona no processo de denunciar este distanciamento, enfatizando a necessidade de verbalização ou de manifestação dos sentimentos como saudável receita de sobrevivência. A única, aliás.
Neste sentido, um filme como ''Confidências Muito Íntimas'' oferece generosos subsídios para quem quer seja. Ou de qual lado da trincheira estejam, se na condição de ouvintes ou na de confidentes. O filme, um thriller psicológico-amoroso assinado por Patrice Leconte, um dos mais prolíficos, versáteis e de maior projeção internacional do cinema francês, está entrando em Londrina.
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Num dia qualquer, Anna (Sandrine Bonnaire) bate no endereço errado. Ela saiu de casa para ver seu psicanalista. Mas quem atende é o homem na porta ao lado. Ele é William Farber (Fabrice Luchini), um consultor financeiro. Sem mais, ela desata a contar seus problemas no casamento e com todo tipo de detalhes sexuais.
Primeiro surpreso e logo fascinado pelas revelações que ouve, ele logo vai remexer nas facetas mais íntimas e conflituosas de sua ''paciente''. Com muda consternação, Farber é incapaz de desfazer o mal entendido.
Com o tempo, a relação entre os dois cresce em intensidade, com derivações inesperadas e insuspeitadas de ambas as partes. Os dois solitários, mesmo se dando conta da falsidade daquela situação, optam por prolongá-la no cenário claustrofóbico do território dele.
Novamente Leconte está às voltas com assuntos que são a matéria-prima recorrente da maioria de seus filmes a partir de 1990 (''O Marido da Cabeleireira'', ''O Perfume de Ivone'', ''A Mulher e o Atirador de Facas'', ''A Dança dos Desejos'', ''Um Homem Meio Esquisito'').
Aqui se perfilam novamente, com muita contenção, profundidade e inteligência, temas e subtemas como o amor obsessivo, o ciúme, o erotismo, a curiosidade de espiar as intimidades alheias ou voyeurismo, no melhor jargão psicanalítico e aqui presente como apêndice irremovível do próprio argumento , as pequenas misérias e perversões da vida cotidiana.
Esta ''intimidade entre estranhos'', ou a metamorfose de dois desconhecidos que se tornam confidentes, é tratada pelo roteiro impecável com uma consistência psicanalítica que não envergonharia Freud, ele mesmo, o velho e sempre saboroso Sigmund.
Original e elegante, sugestivo e melancólico, sutil e verossímil, ''Confidências Muito Íntimas'' parte de uma situação de equívoco própria dessas comédias disparatadas, mas logo envereda pelos meandros de uma intriga psicológica de uma estranha história de amor, misto de platonismo e perversão.
Leconte é particularmente feliz ao descrever, apoiado numa dupla de atores de enorme capacidade interpretativa, todo o mistério, a incerteza, o medo, a dúvida e o suspense é lícito pensar em Hitchcock , tudo girando em torno das emoções. Uma aula completa, para analistas e analisandos. Profissionais ou diletantes.