Em megalançamento que envolve milhares de cópias (somente no Brasil são 450; em Londrina três para cinco salas), muitos milhões de dólares e rígidas medidas de segurança para evitar pirataria, estréia em praticamente todos os mercados cinematográficos do mundo a terceira aventura da série ''Missão Impossível'', inspirada na popular série televisiva homônima que frequentou todas as semanas, entre 1966 e 1973, a sala de visitas de um público deslumbrado diante deste e de outros produtos que então invadiam o cotidiano das pessoas, dando mais um susto no cinema no fundo, os dois veículos sempre se entenderam, em processo de mútua antropofagia.
Neste momento da saga cinematográfica, Tom Cruise (protagonista, produtor e absoluto responsável pelo projeto iniciado há exatos dez anos com o primeiro) optou afinal por J.J. Abrams para a direção, depois que David Fincher e John Woo recusaram por problemas de agenda. Abrams está estreando em cinema, mas com antecedentes que o credenciaram, como as séries de TV ''Alias'' e ''Lost''.
O ator-produtor se deu bem, porque Abrams dá conta direitinho do recado. E o recado aqui, todos sabem, não é lá muito o que a cabeça pensa, mas o que os olhos vêem e os ouvidos ouvem. Alto e bom som, de preferência para uma Hollywood ansiosa e que neste momento cruza os dedos, porque ''Missão Impossível III'' é termômetro inicial da temporada de blockbusters que está começando agora em maio este também é o mês de estréia de ''Código Da Vinci'' e ''X-Men 3''.
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Sem as marcas autorais de Brian De Palma e John Woo, diretores das missões anteriores, J.J. Abrams é competente naquilo que afinal interessa ao consumidor-alvo deste tipo de produto: o entretenimento.
Na trama não há espaço (ou mesmo razão) para momentos mais intimistas ou de maior introspecção. Por motivos óbvios: a soberania absoluta é do espetáculo, do engenho e da tensão que dominam as pouco mais de duas horas de metragem.
Neste sentido, ''Missão Impossível III'' é adrenalina pura, um festival de resgates, fugas, tiroteios, saltos, explosões, perseguições terrestres e aéreas, reviravoltas e traições.
Claro que dentro de toda esta intensa movimentação existe uma história. Ethan Hunt (Cruise) se apaixonou. O herói agora tem um ponto fraco. Ela se chama Julia (a bela Michele Monaghan), e as coisas tomam um rumo tão vertiginoso nessa relação que ele não hesita em se casar com ela.
O problema é que escolhe a hora errada, justamente quando se mete noutro daqueles complicadíssimos e internacionais imbróglios que só mesmo a agência para a qual trabalha sabe arranjar. Imbróglios dos quais Hunt já andava meio afastado, somente se ocupando do treinamento de novos recrutas.
E ele também vai se aproximando dos dilemas morais muito próprios dos heróis dos quadrinhos, como Batman, Super-Homem e Homem Aranha, diante da impossibilidade de levar uma vida mundana normal.
É o sequestro justamente de uma de suas ''treinandas'' (Keri Russell) que o faz voltar à ação. Ele deve resgatá-la das mãos de um misterioso e muito poderoso traficante globalizado, Owen Davian (Philip Seymour Hoffman, recém-oscarizado por ''Capote''), um arquivilão sem qualquer resquício de escrúpulo e metendo medo com certeza.
O tal resgate ocorre de fato, como uma das tais missões impossíveis. Mas alguma coisa falha, e dali em diante há complicações em cascata. Como sabem todos os frequentadores da saga, fanáticos ou não, antecipar peças dos quebra-cabeças que são estas tramas não faz nenhum sentido, principalmente num gênero cinematográfico onde a falta de sentido deve e até precisa ser a coisa mais natural do mundo.
Muito do que vem a seguir não é bem aquilo que é mostrado, as idas ao passado e as voltas ao presente se acumulam e as traições podem surgir de qualquer lado.
O filme abre com uma cena de extrema crueza e violência (que será revista ao longo do filme devidamente retrabalhada em seu significado é a mulher de Hunt com uma pistola na cabeça empunhada pelo vilão, que atira...). Tudo o que se assiste a partir daí não difere grande coisa das estripulias de Bond ou de seu sucessor recente, Bourne. O protagonista está todo o tempo enquadrado, consequentemente ocupando por inteiro a tela. E ele obviamente é Tom Cruise, o dono do show.
Descontadas as bobagens ''cienciológicas'' e o estrelismo insuflado por um ego que já anda exorbitando extra-cena, não se pode negar a Cruise o recorte funcional para este tipo de papel.
Ele é de fato muito verdadeiro nestes relatos de tensão e suspense, fazendo aquele tipo que acredita em tudo o que quer passar ao publico, suando a camisa como se sua vida realmente dependesse daquele esforço diante das câmeras. E para fixação da empatia, o ator ainda trabalha favorecido por uma estética baseada em planos curtos e fechados em seu rosto.
Em meio a tal monopólio da imagem, ficam bastante reduzidas as possibilidades de brilho do time que acompanha Hunt (Ving Rhames, Jonathan Rhys Meyers e Maggie Q), mas Hoffman escapa desta armadilha com um conjunto de aparições, olhares e diálogos que fazem a diferença.
Sem o toque poético de John Woo ou a elegância de De Palma, os diretores precedentes, J.J. Abrams demonstra energia na condução da narrativa e um trunfo extra que dá ao filme certo charme: tanto o mocinho Hunt quanto o bandido Davian buscam certo objeto, um misterioso pé de coelho, e cada qual tem seus métodos de procurar a prenda.
Mas quando o cineasta cita sem inspiração o cinema de Hitchcock ou mesmo títulos mais recentes como ''O Silêncio dos Inocentes'', as coisas ficam ainda menos lógicas e críveis num contexto de gigantismo. Está de volta a música original de Lalo Schiffrin, agora com a partitura relida por Michael Giacchino.
Enfim, sem maiores sutilezas, mas nem por isso execrável, ''Missão Impossível III'' pode resultar para muito até mesmo um entretenimento irresistível.