Quase todo mundo já ouviu falar no Monte Everest, mas pouca gente conhece o Monte Sarmiento. Objeto de desejo de alpinistas do mundo inteiro, a montanha fica na Terra do Fogo, no extremo sul da Patagônia Chilena. A região inóspita, a dificuldade de acesso e a iminência constante de avalanches durante a escalada são apenas algumas das razões das poucas expedições realizadas na montanha.
Desde o século 16, foram registradas quinze, mas apenas três tiveram sucesso. Nada disso, no entanto, desviou o projeto da gaúcha Monica Schmiedt, que num ousado empreendimento escolheu cinco alpinistas, entre eles um paranaense, para subir a montanha considerada uma das mais perigosas do mundo. O resultado da expedição está no documentário ''Extremo Sul'', em cartaz em Curitiba depois de se apresentar em dezenas de festivais.
É bom avisar: não é um documentário comum. Além das paisagens exuberantes e dos perigos da região, o filme mostra que dentro de cada ser humano existem caminhos ainda mais difíceis de serem escalados. O longa começa contando a história de cada alpinista participante: Nelson Barreta; Eduardo Hugo Lopez, Walter Rossini, Júlio Contreras e o curitibano Ronaldo Franzen Júnior, mais conhecido como ''Nativo''.
Algumas das cenas iniciais, aliás, foram filmadas em Curitiba. A despedida de cada um da sua cidade de origem, o encontro e a montagem do primeiro acampamento na Terra do Fogo são contados de forma bastante dinâmica na primeira metade do filme.
Tudo parece bastante tradicional, até que o espectador começa a perceber que não está diante de uma simples expedição e de todos os estereótipos que cercam os filmes de aventuras e escaladas. ''Eu estava fazendo um documentário. Era uma 'escrava da realidade' e tinha que contar a história como ela aconteceu, com todos os seus imprevistos'', disse a diretora, em entrevista ao Folha 2.
Entre as situações inesperadas estão a relação dos montanhistas e da equipe de filmagem, além da reação diversa das pessoas frente ao gigante de gelo que se mostra o Monte Sarmiento à medida em que a equipe se aproxima. A revelação de todos esses sentimentos diante das câmeras acaba dando ao filme uma abordagem psicológica incomum.
''Estamos acostumados a consumir heróis, mas o filme trata de mortais. Por isso não escolhemos os melhores alpinistas do mundo, mas pessoas que tinham um sonho em comum: o desejo de escalar aquela montanha'', diz Monica. Esse mesmo sonho se desdobra no decorrer do longa, levando os personagens e o espectador a caminhos tortuosos.
O filme é resultado do Prêmio RGE do Governo do Rio Grande do Sul e contou ainda com investidores privados. Foram investidos R$ 2,5 milhões na produção, que inclui uma estratégia de guerra impressionante. Helicóptero de resgate, medicamentos, oxigênio, equipe médica. Tudo foi colocado à disposição dos alpinistas num raro exemplo de organização (e investimento) em expedições semelhantes.
Monica dirige o filme em parceria com o alemão Sylvestre Campe. Ambos alpinistas amadores, eles passaram nove meses montando o documentário depois da expedição realizada.
A viagem foi feita em 2003, depois de muito estudo sobre a montanha e a região. O Monte Sarmiento fica cem quilômetros ao sul de Punta Arenas. Os cumes da montanha só foram escalados três vezes desde que o navegador espanhol Sarmiento de Gamboa lhe fez a primeira referência, no século 16, mas seu cume principal foi atingido uma única vez, em 1956, por Carlo Mauri e Clemente Maffei, dois alpinistas italianos, integrantes da terceira expedição do padre Alberto Maria de Agostini, então com 73 anos. O padre tentara em vão escalar o Sarmiento em duas ocasiões anteriores, 1913 e 1914. Apaixonado pela região da Patagônia e um entusiasta da fotografia, Agostini registrou imagens em filme do Monte Sarmiento, tornando-se o primeiro documentarista da região.
Algumas dessas imagens foram resgatadas por Monica e aparecem no documentário.
O filme ganhou o Gran Premio Genziana D'Oro no 53º Trento Film Festival, na Itália, em maio deste ano e já passou por dezenas de festivais internacionais. Em Curitiba, está em cartaz no Espaço Unibanco Arteplex, no Shopping Crystal.