Lançado na Europa em 2002, com grande sucesso de crítica e ainda maior de publico, ''Albergue Espanhol'' era a celebração de uma amizade pouco mais que juvenil, com doses certeiras de humor, amor, sexo e muita gana de viver.
Exibido no Brasil em 2003, no circuito de salas alternativas, o filme chegou a Londrina apenas em vídeo, que aliás registrou grande procura. Agora, ''Bonecas Russas'', a bem-sucedida sequela, chega à cidade em seu formato tradicional, a tela grande, e exatamente naquele espaço que abriga títulos fora do chamado circuitão tradicional.
Jovens estudantes-bolsistas morando numa republica em Barcelona, dividindo problemas, alegrias, amores e desamores, perspectivas profissionais e crises pós-rito de passagem. Este o argumento ''Albergue Espanhol'', que no entanto ia mais além nas suas entrelinhas: era um dos primeiros filmes a falar da identidade européia, a mostrar que pessoas de países e culturas diferentes têm mais em comum do que se possa pensar.
O diretor Cédric Klapisch, quase nada conhecido no Brasil (é dele o delicioso ''Cada Um Procura Seu Gato''), deixa claro em ''Albergue'' e ''Bonecas'' que a globalização também deve ser entendida e estendida ao humano e ao social, e não somente ao econômico. A tese, posta de forma agradável porque lúdica e não falsamente didática, é a de que, quando sai do próprio entorno, o individuo aprende não apenas a se expressar em línguas diferentes, mas também se aproxima de bens culturais e de comportamentos estrangeiros com olhos mais cúmplices.
Agora em ''Bonecas Russas'' aqueles personagens de ''Albergue Espanhol'' se reencontram em meio a mudanças. O tempo estudantil já passou, a expectativa para a vida foi preenchida pela própria vida e as experiências daquele quinteto convidam à reflexão. Uma sutil melancolia acompanha este momento. E a Europa em (re)construção também já mudou, e muito, substituída aquela entusiasmada fraternidade de sonhos por uma certa inquietação que chega pela casa dos trinta.
Xavier (Romain Duris), o alter ego do diretor, tem trabalho insatisfatório e instabilidade afetiva. Vive perto da ex, Martine (Audrey Tautou), que, como ele, espera o amor definitivo. E também de Isabelle (Cécile de France), a bela e pragmática amiga lésbica. Xavier segue confuso entre aventuras passageiras, compromissos familiares e o cumprimento do dever.
Quando ainda estudante queria ser escritor, e certamente não previu as bobagens cor-de-rosa que escreve para a tevê, e menos ainda as autobiografias fake de modelos, esportistas ou celebridades da hora.
Em busca do crescimento, Xavier se deixa levar a Londres, Moscou e São Petersburgo. Em busca de quê? Daquele amor de proporções ideais, da procura romântica e aí é inevitável a semelhança com o Antoine Doinel criado por François Truffaut. E os enlaces finais desta história agridoce ocorrerão na Rússia, onde mais uma vez o otimista diretor Klapisch afirma sua fé no futuro numa união européia sem barreiras.
Em ''Bonecas Russas'', o talento e a refinada sensibilidade de Klapisch convertem aquilo que poderia ser uma crônica banalizada da geração dos trinta anos em relato delicado, divertido e cativante pela sinceridade. A liberdade da linguagem narrativa, a afinidade entre o diretor e seus ótimos atores, e ainda o tom gentil, homogêneo e bem-humorado fazem de ''Bonecas Russas'' um filme a que se assiste com muito prazer.