É preciso ser muito nostálgico em relação à série americana ''A Feiticeira'' -para quem curtiu lá pelos anos 1960 e 70 esta precursora das atuais sitcoms-, ou então muito dependente de Nicole Kidman para arriscar uma olhada neste lançamento.
Naqueles tempos, a atriz Elizabeth Montgomery encarnava uma jovem bruxa chamada Samantha. Com um único movimento de nariz, transformava seus desejos em realidade. Sem abusar destes poderes, tratava apenas de viver uma vida tranquila com o marido, mortal como todos os seres, sujeito simples e apaixonado.
Na verdade, o sucesso de audiência corria por conta do harmonioso equilíbrio entre uma vida familiar tradicional, conveniente ao sistema, e um rasgo de rebeldia feminista (sempre sob controle, claro). Correção e incorreção política, de mãos dadas.
A roteirista e diretora Nora Ephron (''Sintonia de Amor''), a quem em dado momento da carreira conferiram imerecido prestígio salva-se no currículo o bem escrito roteiro de ''Harry e Sally'' , assina este ''A Feiticeira''. Que, é bom deixar claro, não é uma adaptação da referida série quarentona, mas sim um tolo exercício de meta-cinema-meta-tevê.
Nicole Kidman interpreta Isabel, uma bruxa que chega a Beverly Hills com a intenção de levar uma ''vida normal'', isto é, conseguir uma casa acolhedora, um trabalho e um homem tranquilo e afável. Um status conservador, enfim.
Não é o caso, certamente, de Jack Wyatt (Will Ferrell), astro de filmes de ação com a carreira em queda livre. Depois de um par de fracassos milionários ele quer mudar de rumo, e para isso tenta a sorte no papel do marido Darrin na refilmagem televisiva de, adivinhem? isso mesmo, ''A Feiticeira''.
E para que ele e o respectivo ego reinem absolutos no elenco, os produtores decidem buscar uma Samantha não só desconhecida como também submissa e ingênua. A escolhida obviamente é Isabel, que já chegou aos 30 mas aparenta 15 (física, psicológica e intelectualmente). Eles se encontram casualmente. Ele pede que ela aceite o papel. Ela se comove tanto pelo fato de tornar-se necessária que acaba se apaixonando. Mas oculta os poderes reais na série de mentira.
Posto desta maneira, o argumento bem que propiciaria pelo menos um passatempo leve, razoavelmente divertido e medianamente inteligente, o que até nem seria pedir muito. Mas a falência é generalizada, desde inspiração pura e simples para armar as situações até transpiração exaustiva para manter a vigília do espectador.
Muito cedo o roteiro começa a fazer água por todos os lados, catalogando sátiras mal dirigidas, ironias grossas, gracejos toscos ou torpes e nada engenhosos. Resta uma sensação de inutilidade e impotência, muito característica de certo tipo de comédia presunçosa que sempre se acha muito engraçada.
Embora o enorme esforço para não comprometer trama e personagem seja evidente, Kidman não tem intimidade com o gênero, isto é cristalino. Will Ferrell aparece sempre excessivo, histriônico em demasia, e a tal química entre ambos é artificial. As presenças de Michael Caine e Shirley McClaine absorveriam todas as atenções do filme se os papeis tivessem pouco mais de relevância. Mas ainda assim, diante da extensão do naufrágio, vê-los e ouvi-los já é um consolo para cinéfilos que acidentalmente estiverem na platéia.