Estreias

Dois novos filmes tratam dos anos sombrios da ditadura

28 abr 2005 às 17:24

Os ''anos de chumbo'' do Brasil estão sob a mira das câmeras. O período mais dolorido para as liberdades democráticas do País volta a ser investigado, desta vez pelo cinema através de dois longas de ficção, um documentário e uma cinebiografia.

Se a diretora Lúcia Murat e o diretor Toni Venturi reconstituem a época para narrar as aventuras de seus personagens nos dramas políticos ''Quase Dois Irmãos'' e ''Cabra-Cega'', os cineastas João Batista de Andrade e Sergio Rezende escavam os porões da ditadura para trazer histórias reais às lentes contando as trajetórias do jornalista Vladimir Herzog e da estilista Zuzu Angel.


''Quase Dois Irmãos'' e ''Cabra-Cega'' estrearam este mês em algumas capitais. O primeiro, ambientado no Rio de Janeiro, focaliza o percurso de dois amigos de infância um de classe média e outro do morro mostrando como as condições sociais distintas dos personagens evoluem na fase adulta. Quando se reencontram, estão na prisão durante o auge da repressão militar.


Miguel virou militante comunista e Jorge tornou-se um criminoso ''comum''. Anos depois, um novo reencontro irá flagrá-los respectivamente nos papéis de advogado e de chefe do tráfico de drogas.


Roteirizado por Paulo Lins, autor de ''Cidade de Deus'', ''Quase Dois Irmãos'' obteve prêmios em vários festivais, entre eles o de Melhor Diretor e Melhor Ator no Rio de Janeiro e o de Melhor Filme Latino-Americano e Escolha do Público em Mar del Plata (na Argentina). É o quarto longa de Lúcia Murat, uma ex-militante política, que conheceu de perto a luta armada e a prisão política.


Também entrando em cartaz nesta temporada, ''Cabra-Cega'' recapitula a saga da guerrilha urbana contra os militares nos anos 70. O segundo longa do paulista Toni Venturi centra-se na figura de um guerrilheiro que, após ferir-se num confronto com a polícia, refugia-se no apartamento de um arquiteto simpatizante da causa revolucionária.


A trama revela como, aos poucos, ele vai ficando paranóico no cotidiano da clandestinidade. O roteiro, de autoria de Di Moretti, acompanha seu relacionamento com a enfermeira Rosa (Débora Duboc, mulher de Venturi) enquanto o regime vai fechando o cerco sobre os opositores de esquerda.


Em novembro, a produção conquistou troféus de direção, ator (Leonardo Medeiros), roteiro, direção de arte e o prêmio de melhor filme segundo o júri popular no Festival de Brasília.


Duas vítimas da ditadura em breve nas telasParalelamente aos títulos de ficção, uma nova fornada de longas revisa o sombrio ciclo militar calcando-se integralmente em fatos verídicos. É o caso do documentário em longa-metragem ''30 Anos Depois'', que o cineasta João Batista de Andrade está rodando com previsão de lançamento para outubro desse ano.


O filme irá contar a trajetória do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado no dia 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo.


O diretor pretendia originalmente realizar uma ficção sobre a história de Vlado, com parceria da TV espanhola, uma produtora iugoslava e o Instituto de Cinema de Portugal. Ele começou a produção, quando o famigerado Plano Collor enterrou o projeto, em 1990. Tentou retomá-lo recentemente, chegando a iniciar a fase de captação de recursos.


Mas ao perceber que o filme dificilmente ficaria pronto até outubro, mês em que a morte de Vlado completa 30 anos, decidiu arquivar o projeto e partir para o documentário utilizando equipamento digital, uma equipe reduzida, orçamento baixo e a colaboração dos amigos. O filme reunirá cerca de 30 depoimentos de pessoas que conviveram com Vlado e viveram as tensões e angústias do período.


D. Paulo Evaristo Arns, José Mindin, Clarice Herzog e os advogados que abraçaram o caso serão alguns dos participantes. As últimas tomadas de imagens para o documentário serão gravadas em maio.


Além de Vladimir Herzog, a estilista Zuzu Angel também terá sua vida contada nas telas. O diretor Sérgio Rezende anunciou para julho o início das filmagens da cinebiografia.


Zuzu, cuja morte foi considerada um atentado dos militares para calá-la, será protagonizada pela atriz Patrícia Pillar. Pioneira na exportação da moda brasileira, ela consagrou-se internacionalmente em seu metiê conquistando clientes como Joan Crawoford, Liza Minelli e Kim Novak.


Virou alvo da ditadura depois que seu filho, Stuart Angel, entrou para a luta armada e foi torturado e morto na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro.


Segundo relatos, o corpo teria sido atirado no mar de helicóptero. Inconformada, Zuzu passou a denunciar o assassinato e o desaparecimento do corpo do filho. Escreveu às autoridades brasileiras e estrangeiras, fez discurso em avião comercial e fila de banco.


Seguida por arapongas, vivia recebendo ameaças de morte por telefone. Temendo que a matassem e tudo caísse no esquecimento como haviam feito ao filho, Zuzu escreveu um bilhete responsabilizando os militares se ela viesse a morrer em um acidente.


Foi precisamente o que aconteceu no dia 14 de abril de 1976. Ela sofreu um acidente de carro na saída do túnel que leva a São Conrado, no Rio. Na época a conclusão foi que a estilista tinha dormido ao volante. Em 1998, a Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça concluiu que os militares foram os responsáveis pelo acidente e morte de Zuzu.


Graças a diversos indícios e principalmente ao depoimento de uma testemunha que morava próximo ao local da colisão, a Comissão reconheceu que o carro de Zuzu Angel foi fechado propositalmente para que o acidente acontecesse. O filme retoma e viabiliza um projeto que já cativou cineastas como Walter Salles e Roberto Gervitz.

A intenção desses diretores de filmar a vida de Zugu Angel, porém, sempre esbarrou na oposição da família. Agora, a família cedeu os direitos da realização da filmagem colocando o arquivo pessoal da estilista à disposição de Rezende. A previsão de lançamento é 12 de abril de 2006, quando se completam 30 anos de sua morte.


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