Pode parecer estranho o fato de um filme nacional ter legendas em português. Não amigo leitor, isto não é uma crítica ao som dos filmes nacionais, até porque a técnica de captação de som mudou muito de uns anos pra cá. Já não temos mais aqueles filmes com som abafado e deficiente, coisa típica do cinema feito no Brasil antes da retomada. Aliás, a área técnica avançou muito em todos os aspectos, de modo que já não tem mais sentido dizer que "tal filme brasileiro tem bom som, ou tem boa fotografia", mas isso é assunto pra outra matéria.
O filme nacional com legendas de que estamos falando é 'Desmundo', último trabalho do diretor Alain Fresnot (o mesmo de 'Ed Mort'), baseado no romance homônimo de Ana Miranda, lançado em 1996. Sua história se passa no Brasil colonial, em pleno 1570. Com muito rigor, o filme é inteiramente falado no português arcaico daquela época - o trabalho de pesquisa ficou a cargo do pesquisador e lingüista da USP Helder Ferreira - daí a razão do filme ter legendas no nosso português atual.
O recorte dado a este período histórico recai sobre o fato de que na época havia falta de mulheres para os portugueses colonizadores. A primeira cena do filme mostra o desembarque de um navio português no Brasil, trazendo um grupo de órfãs, enviadas pela Rainha de Porgugal, com o objetivo de desposar os primeiros colonizadores. Entre elas está Orisbela (Simone Spoladore), jovem sensível e religiosa que é entregue em casamento a Francisco de Albuquerque (Osmar Prado), um rude senhor de engenho.
Apesar de toda sua grosseria, Francisco ama a esposa e quer que ela lhe dê filhos brancos. Orisbela, no entanto não consegue se habituar nem com o marido nem com o ambiente do engenho de que é dono. Ela também estranha a mãe e a irmã de Francisco. Quando tem oportunidade, foge da fazenda, mas é recapturada e castigada. Numa segunda tentativa, ela se se refugia na vila de Ximeno (Caco Ciocler), um comerciante que sempre passava pela fazenda de Francisco vendendo escravos e bugigangas. Ela quer voltar a Portugal aproveitando a próxima viagem que o mascate virá a fazer para o velho continente.
O filme fortalece a imagem de que Simone Spoladore é uma atriz perfeita para papéis melancólicos. Sua expressão de tristeza é angustiante não só neste filme, mas também em 'Lavoura Arcaica' (de 2001). Osmar Prado também foi uma boa escolha. Ele é craque no trabalho de criação de personagens, especialmente na televisão (afinal ele fez apenas seis filmes em sua longa carreira). Só para citar alguns exemplos: Tabaco em 'Roda de Fogo', Tião Galinha em 'Renascer' e Lobato em 'O Clone'.
Nem precisava dizer que o trabalho dos diálogos deve ser louvado. O filme só peca por ter uma narrativa um tanto arrastada, característica típica dos filmes históricos nacionais - com exceção de 'Carlota Joaquina', que trazia um tom sarcástico. Não que a saída seja por aí (apesar de da História do Brasil ser rica em momentos tragicômicos), mas um pouco mais de agilidade cairia muito bem.