As recentes refilmagens de produções japonesas de terror estão virando clichê em Hollywood. E se nas tramas se encontram embutidos poços secos e profundos, crianças fantasmagóricas e corredores escuros, aí então a coisa piora. E piora muito, porque no processo de adaptação em busca do gosto médio (e duvidoso) do espectador americano, os argumentos reaparecem não apenas falados em inglês, mas também muito menos sugestivos, climáticos, fantásticos e inquietantes do que suas fontes nipônicas primárias.
Em vez de silêncios, ambiguidades e sutilezas, os remakes hipertrofiam os originais, à base de explicações demais, explosões demais, sustos demais. E foi aí que entraram a inteligência e a sensibilidade de Walter Salles, conseguindo com 'Água Negra' subverter o conceito estigmatizado do 'cineasta de aluguel'.
O filme é com certeza um trabalho de encomenda, portanto não autoral. Mas nem por isso Salles deixou de acrescentar marcas pessoais ao drama de terror psicológico. Há três histórias no roteiro bem armado pelo competente Rafael Iglesias, ex-colaborador de Polanski e Peter Weir.
Uma delas ocorreu no passado quando a personagem central, Dahlia (Jennifer Connelly), era uma criança ignorada pela mãe. Outra, a principal, envolve a agora recém divorciada Dahlia e sua filha Ceci (Ariel Gade), que se mudam para um apartamento em péssimas condições, em frente a Manhattan mas sem qualquer sombra de glamour.
E uma terceira, a fantástica, que parece ter ligação com coisas estranhas que ocorreram no apartamento de cima - o sinal mais evidente é a mancha de umidade no teto cada vez maior e, claro, mais tenebrosa. Para incrementar o clima, chove todo o tempo, e a garotinha se põe a dialogar com alguém imaginário, conversas ambíguas sobre os fatos do andar de cima e o divórcio da mãe.
Assim, neste território situado em algum lugar entre ''O Bebê de Rosemary'' e ''O Sexto Sentido'', Walter Salles vai trabalhando em duas frentes: o ''filme de fantasmas'' e o drama familiar.
É evidente o desconforto do diretor quando tem que seguir a primeira linha digamos, mais comercial (o filme fez ''só'' U$ 25 milhões), e é óbvia sua desenvoltura quando fala de uma série de coisas reais, do mundo dos vivos, coisas que, afinal, não deixam de gerar ''fantasmas'' e ''assombrações''.
Neste sentido, é enorme a contribuição de Jennifer Connelly, porque através dela o espectador que tiver olhos para ver e sensibilidade para sentir vai entender a motivação extra do diretor diante de uma encomenda.
Estão ali naquele espaço físico as frustrações, os medos, as responsabilidades que chegam com a maternidade e se tornam maiores e mais complicadas depois de uma separação. Ao longo da narrativa, tão pesado quanto o clima é também a sensação de solidão e abandono que parece grudar nos personagens. A água, obviamente, entra como elemento de tensão e sugestão.
Um elenco coadjuvante de luxo (o advogado Tim Roth, o porteiro Pete Postlethwaite, o agente imobiliário John C. Reilly) e um entorno técnico ''doméstico'' e excepcional (o fotógrafo Affonso Beato e o montador Daniel Rezende, brasileiros) também são peças vitais para que o resultado final não desmereça o original assinado por Hideo Nakata e que também seja uma corretíssima carta de apresentação de Salles para os grandes estúdios. Quanto a isso, não que ele esteja lá se importando muito. Pelo contrário.