Realizado em 2002, mas somente lançado no Brasil há alguns meses, ''O Samurai do Entardecer'' faz plena justiça ao antes tarde do que nunca, e ainda assim graças à conjugação da fórmula distribuição/exibição alternativa que resgata, do congestionado limbo das imagens, obras preciosas como esta em lançamento em Londrina.
E é estranho que qualquer das multinacionais não tenha pensado antes em buscar nichos da colônia japonesa no Brasil, sempre tão carente de títulos, colocando no mercado segmentado esta produção que levou 12 dos 14 prêmios possíveis a que concorria no equivalente japonês do Oscar.
Esta é a ocasião perfeita para o publico reencontrar o ''jidai-geki'', ou filmes de samurais, gênero que floresceu nos anos 1950 e 60 no apogeu de mestres como Hiroshi Inagaki, Kenji Mizogushi e, claro, Akira Kurosawa. Há não muito, Nagisa Oshima entregou o belo e estranho ''Gohatto'', e Takeshi Kitano reeditou as andanças do samurai cego Zatoichi em chave pós-moderna, mesclando comédia e violência selvagem.
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Agora, o veterano (73 anos) Yoji Yamada aparece com este ''O Samurai do Entardecer'', mais próximo daquele tom humanista do Kurosawa de ''O Barba Ruiva'' e principalmente de ''O Homem do Riquixá'', de Inagaki, com o qual se assemelha em muitos aspectos. Filmes que Londrina viu e reverenciou em salas lotadas, há cinco décadas.
Baseado em três histórias curtas de samurais escritas por Shuhei Fujisawa, o filme localiza seu argumento no século 19, época de convulsões internas no Japão às vésperas de mudanças profundas. Pouco antes da Revolução Meiji (1868), algumas pessoas de tradição se sentiam deslocadas no mundo. É o caso do protagonista, Seibei Igushi (Hiroyuki Sanada), samurai de classe inferior que aparece apresentado ao espectador em plena decadência.
Viúvo e com mãe senil, tem que manter os filhos e trabalhar numa profissão tediosa contra todos os prognósticos de quem acha pleno de ação eletrizante o dia-a-dia do samurai, ele se ocupa exclusivamente de função burocrática, lidando com contabilidade e ganhando pouco. Até que descobre que Tomoe (Rie Myiazawa) o grande e irresolvido amor de sua vida, acaba de se divorciar.
É uma história em chave dramática, até divertida de início, para progressivamente endurecer e atingir um tom melancólico. Esta transformação ocorre de maneira natural, e é preciso ter olhos muito sensíveis e Yamada tem visão de sobra para não incorrer em sentimentalismo barato. A narrativa é levada pela voz em off da filha menor do personagem central, anos depois que tudo terminou.
Um relato cuidadoso que acrescenta outro componente ao drama, já que o espectador vai se conscientiza mais e mais, não apenas do sofrimento de Seibei, mas de que as filhas não eram alheias a maior preocupação do pai, isto é, o bem-estar da família.
Embora não seja filme com muita ação, os duelos são construídos com magistral realismo. Um realismo totalmente distanciado da impostação coreográfica dos modelos atuais onde tudo é muito medido, calculado, sem naturalidade. Aqui a sensação é de perigo real e imediato, evocando o classicismo de Kurosawa e seus contemporâneos, com excelente emprego de som e montagem.
Especial atenção ao combate final do qual Seibei não pode fugir em nome dos códigos de honra e também diante da impossibilidade da relação afetiva. A sequência, que lembra finais de western, abre com a disputa dialética para depois chegar ao confronto físico. Momento de rara intensidade, com memorável desenlace.
Yamada dirige ''O Samurai do Entardecer'' com sobriedade e serenidade, sem excessos, sempre ajustado às exigências de um roteiro irretocável. Fotografia e música aparecem muito elaboradas, mas sem neutralizar o mais importante, uma história comovente e profundamente humana.