Chega ao circuito brasileiro o segundo longa metragem do diretor Steve Gaghan, o roteirista do ótimo ''Traffic'', de Steve Soderbergh. Em ''Syriana'' ele de certa forma retoma e aprofunda aquela estrutura de filme coral sobre o universo da droga, expondo agora um emaranhado de poderosas corporações petrolíferas, grupos terroristas, funcionários manipuladores, biliardários árabes, financistas especuladores, advogados inescrupulosos, enfim, toda a fauna que compõe este amplo painel da alta trapaça globalizada.
Se você ainda não viu ''Munique'' por qualquer razão, agora já tem uma bem consistente para assistir o filme de Spielberg. ''Syriana'' está numa das salas vizinhas, e como nenhum dos dois parece apetecer ao grande público, este ano órfão de Oscar escapista, os dois não devem ficar muito tempo em cartaz.
Neste momento em que Hollywood parece estar falando mais grosso e desferindo farpas sobre o papel dos Estados Unidos nos conflitos do Oriente Médio, é exercício estimulante perfilar os dois trabalhos. Há muitos pontos de contato, como também há diferenças na abordagem de problemas semelhantes.
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Embora ''Munique'' esteja centrado no conflito árabe-israelense e ''Syriana'' pareça mais interessado na relação promíscua entre xeques árabes, terrorismo (o de Estado e o outro) e a indústria do petróleo, os dois investem no choque de culturas e no confronto entre visões de mundo mais semelhantes do que parecem.
Enquanto ''Munique'' opta por uma narrativa clássica com construção de personagens bem definidos, deixando de lado a temática econômica para privilegiar o conflito moral, ''Syriana'' usa um tom seco, realista, quase documental para cruzar as histórias de cerca de uma dúzia de personagens ligados à indústria do petróleo.
Mas os dois falam a mesma linguagem quando traçam paralelos e semelhanças entre a ascensão ao poder dos fundamentalistas islâmicos e os falcões neo-conservadores norte-americanos.
Como é frequente nesses casos, o resumo da ópera é bem complicado nesses casos. Como ponto de partida para o trabalho da inteligência do espectador (é o pré-requisito mínimo), ''Syriana'' parte de um agente da CIA (George Clooney, gordo, barbudo e talentoso) enviado para matar um xeque que se opõe ao controle dos Estados Unidos ao país.
Há assessores (Matt Damon, entre eles), há os cabeças das corporações norte-americanas do petróleo tratando de unir forças para tirar contratos dos chineses e, claro, afastar qualquer tipo de investigação oficial que possa expor os mecanismos de corrupção. Neste forno aquecido à potência máxima, acrescente-se muçulmanos muito irados e muito armados.
Há subtramas e subtramas - Gaghan é fascinando pelos detalhes - sempre a desafiar a capacidade de enxadrista do espectador. Ainda que todos os segmentos não tenham a mesma eficácia, que uma certa confusão paire aqui e ali e que o esquematismo assine o ponto em alguns momentos, nenhuma dúvida de que ''Syriana'' é afinal um desses thrillers que resultam num eficaz mosaico sobre os abusos do capitalismo selvagem (vale a redundância), o fanatismo religioso e os cada vez mais flexíveis limites (ou a falta de) da globalização na luta pelo poder político e econômico.