Exibido em premiere mundial e fora de concurso quase no encerramento no ultimo Festival de Cannes, dia 26 de maio, ''United 93'' teve naquele momento apenas discreta repercussão. Foi visto por reduzida platéia de críticos estafados, mas quem acreditou também não perdeu a coletiva que o diretor inglês Paul Greengrass deu logo em seguida.
Dupla recompensa, o filme e a conversa com Greengrass. ''Vôo 93'' chega ao circuito de Londrina, e providencialmente é vizinho de porta do pouco inspirado ''As Torres Gêmeas'', de Oliver Stone. O recém-chegado vale o ingresso, e a inevitável comparação.
Com estilo de características muito próximas das que lhe deram o Urso de Ouro em Berlim com ''Domingo Sangrento'' - filme sobre a marcha pelos direitos civis na Irlanda, em 1972 -, Paul Greengrass sugere aqui o que sucedeu a bordo do avião da United que os terroristas da Al Qaeda planejavam desviar para Washington a partir de Los Angeles, e que terminou se espatifando na Pensilvânia há cinco anos, naquele 11 de setembro. Foi o único dos quatro aviões sequestrados que não atingiu o alvo - muito provavelmente o Capitólio.
Em Cannes, não podia calar a pergunta feita a Greengrass: ele realizou o filme movido por oportunismo ou necessidade? O diretor, que também assina a descompromissada saga do espião Jason Bourne, pareceu bastante sincero e convincente quando respondeu que suas intenções foram tão necessárias quanto oportunas. Oportunas, não oportunistas. A questão que se coloca imediatamente: é possível usar a ficção para se aproximar da realidade? Ou pode a primeira substituir a segunda?
Há muitos aspectos positivos nesta dramatização de episódio tão recente e tão traumático. Greengrass afirma ter se documentado com as gravações dos telefonemas que passageiros e tripulação deram a parentes e amigos, e no testemunho destes amigos. Logo de cara fica patente o background do cineasta enquanto documentarista televisivo. Ele toma por empréstimo a linguagem documental para criar uma contundente peça de ficção.
A aposta - ganha, é bom deixar claro - foi mostrar como tudo aconteceu, sem adornos ou adereços, o mais distante possível do melodrama e do entorno espetacular da tragédia.
Neste sentido, a maioria dos protagonistas que está em condições de contar a história interpreta a si mesma, como o surpreendente Ben Sliney, diretor de operações nacionais da Administração Federal de Aviação, que estreava no cargo exatamente naquele dia.
Estruturado em cima da sobreposição de pontos de vista - passageiros amotinados sequestradores, terroristas fanáticos e suas duvidas fugazes, militares encarregados do espaço aéreo e controladores de vôo tentado destrinchar silêncios e signos -, ''Vôo 93'' se desenrola em três interiores: avião, base militar, sala de controle aéreo.
Há muitos personagens, mas nenhum rosto conhecido, o que evita a empatia e os golpes baixos de sentimentalismo. E há também a hábil sobreposição de cenas que se sucedem quase em tempo real, um tempo suficiente para especulações na contramão, por exemplo, de uma dramaturgia à moda ''Titanic''.
Não há heróis, nada se revela das vítimas ou dos sequestradores além daquilo que se pode ver. No enxuto, esperto, urgente roteiro de Greengrass, existe uma separação muito clara entre vítimas e terroristas, fanatismo e objetivo. Qualquer implicação política está ausente - não se fala sobre quem ordenou, países, religiões - mas há um discurso subliminar de alerta diante da barbárie em o mundo está se metendo.
Em primeiro e último instante, ''Vôo 93'' conta uma história não a favor dos EUA ou de um diálogo religioso cada vez mais impossível, mas que leva em conta a humanidade. É bom ter isto em mente, enquanto este tenso, sincero, potente docudrama promove necessárias turbulências nas platéias ao redor do mundo.