Tem sido assim sistematicamente, nos últimos tempos. Desconfiados com a alta volatilidade do público cinéfilo contemporâneo - para usar expressão em moda por conta de certa desordem econômica mundial -, distribuidores e exibidores criam os mais diversos artifícios para que determinados títulos ganhem maior visibilidade com o boca-a-boca e engrenem nas bilheterias. Como, por exemplo, fazer pré-estréias estranhamente estendidas, caso deste ''Juno'' em exibição há uma semana, numa única sala de Londrina, num único horário. Mas de fato já é estréia, e nada prova o contrário.
Numa sequência desta muito esperta, muito atípica comédia teen-existencial chamada ''Juno'', a adolescente grávida do título mantém uma conversa sobre cinema de horror com Mark, o rico e frustrado publicitário prestes a se converter no pai adotivo do filho da jovem. Juno contrapõe o talento de seu ídolo, o cineasta italiano Dario Argento, ao do diretor norte-americano Herschell Gordon Lewis, precursor do gênero ''horror trash''. O diálogo é algo assim como debater artifício e sinceridade, o que é sofisticado e aquilo que é visceral.
O desconcertante atrativo deste filme, que afinal não traz a rigor uma proposta transgressora, mas uma preciosa lição de autenticidade, se encontra precisamente entre estes dois pólos: na aparência, tudo parece ser construído, calculado, artificializado. Mas seu poder secreto está nas ondas de sinceridade que percorrem toda a trama e que, afinal, certificam o triunfo final da emoção em sua justa medida.
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O argumento narra a história de uma garota de 16 anos que engravida logo na primeira transa. Ela decide dar à luz e entregar a criança a um casal que há tempos planeja adotar um filho.
Não há mais do que isso, e todo o restante da narrativa navega ao redor desta breve premissa. E o que enganhosamente parece mais uma comédia dramática presa aos estreitos limites do gênero se eleva à condição de filme fresco e inteligente, e que oferece como protagonista um dos personagens femininos mais fascinantes no cinema dos últimos anos. O Dia Internacional da Mulher, exatamente daqui a um mês, já tem nas telas uma comemoração imbatível.
É até compreensível, a priori, se colocar o pé atrás diante de um filme como ''Juno''. Pré-vendido como o ''Pequena Miss Sunshine'' da atual temporada, ou seja, mais um produto de verniz independente com poder de sedução, ele foi roteirizado por uma ex-stripper e blogueira acusada de surrupiar idéias do filme coreano ''Jeni, Juno'', de 2005, sobre casal de adolescentes grávidos em segredo aos 13 anos.
Mas mesmo se admitindo alguma apropriação indébita, não se pode negar à roteirista Diablo Cody, aliás Brook Busey, talento suficiente no retrato dos personagens e na escritura dos diálogos, quesitos que podem dar a ela o Oscar na categoria roteiro original.
Entre as qualidades do texto, que faz na medida certa a desconstrução da ''adolescência hollywoodiana'', está a habilidade da roterista em filtrar a polêmica a partir de um dilema. É que ''Juno'', surpreendentemente, tanto pode ser aprovado por aqueles que defendem o direito à vida como pelos que advogam o direito da mulher decidir sobre o seu corpo. Isto o filme consegue sem confrontos, sem melodrama, simplesmente com seu humor e sua espontaneidade. Méritos do diretor Jason Reitman, o filho bem dotado do limitado diretor Ivan Reitman - ele também fez bem feitinho o dever de casa de estréia, ''Obrigado por Fumar''.
Entre a coleção de boas razões para o sucesso do filme sobressai uma, primordial: a portentosa interpretação da canadense Ellen Page, que em seus 20 anos (21 no dia 17 de fevereiro) já desponta como uma das mais promissoras atrizes da atualidade. Ainda um diamante bruto, mas séria candidata a se tornar definitivamente grande se continuar em mãos competentes.