A morte vista a partir da vida. O desejo de morrer, o desejo de uma dignidade associada a essa morte a partir da perspectiva de quem está condenado a não se mover.
''Se não se entende o sentido da morte, tampouco se entende o sentido da vida''. Esta é uma frase que consta da carta que Ramón Sampedro Camean dirigiu aos juízes espanhóis em 13 de novembro de 1996. Ele tentava convencê-los da intenção de por fim a sua existência (por considerá-la um direito, não uma obrigação) de 28 anos de tetraplegia, depois que um mergulho infeliz na praia o deixara imobilizado para sempre.
A carta foi inútil. Mesmo assim Ramón, auxiliado por amigos, dois anos depois consumou sua decisão tão irreversível quanto dolorosa e poderosa.
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Em ''Mar Aberto'', drama espanhol que no dia 27 próximo concorre ao Oscar de melhor filme de língua não inglesa, a única janela que Ramón (Javier Bardem) tem para o mundo é a de seu quarto, perto do mar, o mesmo mar por onde viajou ainda jovem e saudável, o mar que lhe deu vida e também a tirou, o mar que o aprisionou, somente permitindo viver sem movimentos.
Seu único desejo, desde o trágico acidente, é dar-se um fim digno. E nesse processo a chegada de duas mulheres altera de vez seu mundo e suas experiências: a advogada Julia (Belén Rueda), que apóia sua luta legal, e Rosa (Lola Due'as), jovem mulher convencida, a seu modo, de que viver vale a pena.
Conhecimento. Amor. Dor. Personalidades compreendidas e incompreendidas, princípios questionados e uma desejo de morte que não cessa. O amor visto pelos olhos de alguém que não quer amar, e que afirma que somente a pessoa que o amar de verdade será aquela o ajudará a morrer.
O roteiro, escrito por Alejandro Amenábar e Mateo Gil, seu colaborador permanente, é inteligente e sensível na mesma medida, alternando drama e humor - a perene ironia de Sampedro que lhe permitia ''chorar rindo'', e que por várias vezes leva o público a rir chorando.
Depois de uma esplêndida arrancada semi-documental, a sempre maravilhosa fotografia de Javier Aguirresarobe toma o espectador pelo mão para oferecer-lhe uma justa, discreta sensação de intimidade e paz, somente sobressaltada pelas apaixonadas manifestações de liberdade que vez ou outra assaltam Ramón Sampedro.
Sem exceção, todos os personagens estão escritos com notável solidez e riqueza de matizes, de maneira que, embora Sampedro seja o epicentro deste terremoto emocional, a história sempre cresce um pouco mais a partir do efeito que ele vai causando em quem gravita ao redor de sua cama.
Desde as duas mulheres que se rendem ao efeito magnético, até os amigos e demais membros da família. Os personagens, no entanto, somente funcionam tão bem porque receberam interpretações prodigiosas, com certeza trabalhadas pela mão de Amenábar.
A atuação sublime de Javier Bardem talvez possa ser resumida a uma frase que disse durante a coletiva no Festival de Veneza de 2004, onde levou o troféu de melhor ator: ''Era um problema, o que fazer com a energia quando você fica sobre uma cama por tanto tempo, sem poder ira a lugar algum; assim, compreendi que minha missão era colocar essa energia na voz, nos olhos...''
''Mar Adentro'' é essa viagem cinematográfica cada vez mais rara, essa que nos faz crescer e viver, uma viagem libertadora que permanece na consciência por muito tempo embalada pelos versos do poema de Sampedro, versos que de tão belos até doem: ''Pero me despierto siempre, y siempre quiero estar muerto, para seguir com mi boca enredada em tus cabellos''.
>> Confira entrevista com o diretor Alejandro Amenábar na Folha de Londrina