Entra em circuito nacional um filme a ser visto com atenção e cuidado. É ‘Soldado Anônimo’, terceiro e mais uma vez bem sucedido exercício de Sam Mendes como diretor, depois da estréia consagradora com ‘Beleza Americana’ e do ainda melhor ‘Estrada para Perdição’.
Parte da crítica mundial não tem gostado do filme. A alegação é de que ele não faz muito sentido, e que por isto não teria razão de existir. Mas o que parece falha na verdade é virtude, uma entre outras que o filme oferece.
Em 1989, o jovem Anthony Swofford (Jake Gyllenhaal) se alista nos Marines seguindo o exemplo do pai, veterano da guerra do Vietnam. Após um período de treinamento puxado e humilhante, Swofford e outros recrutas são enviados à Arábia Saudita para combater as tropas de Saddam Hussein que invadiram o Kuwait.
Leia mais:
Das estrelas ao fundo do mar: confira as estreias nas telonas neste mês de maio
Trailer de nova animação Disney traz Buzz Lightyear com a voz de Marcos Mion
Filme Kingsman 2 - O Círculo Dourado tenta repetir sucesso
Nova série do Star Trek mostra a luta pela paz no mundo
Estacionados do deserto, os soldados esperam com impaciência o início das hostilidades. Para matar o tempo, jogam futebol sob sol escaldante e debaixo de máscaras contra gás, se entregam a discussões intermináveis sobre nada em particular ou então organizam combates entre escorpiões.
‘Jarhead’ começa com a tela em negro e com a voz de Gyllenhaal expressando os sentimentos do personagem que é real: o filme é baseado no best-seller homônimo que Swooford escreveu sobre suas experiências no Oriente Médio, sobre a Guerra do Golfo.
Ele explica o significado da palavra ‘jarhead’, como os marines chamam uns aos outros. É cabeça de jarra, no sentido de que uma jarra está vazia e porque os soldados devem ficar assim, vazios de sentimentos. Para que nenhuma saudade ou nenhum abuso dos superiores ou nenhum castigo do meio ambiente hostil possa virar uma enfermidade mental.
Aqui, a vida no acampamento não provê o idílico microcosmo da América mostrado nos velhos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial. O que há é uma coleção de jovens confusos, irados e sexualmente frustrados, que não entendem nada do que vêem enquanto assistem ‘Apocalypse Now’ e morrem de tédio antes de morrer na batalha.
Raramente trabalhada nos filmes de guerra, a jovialidade destes marines é enfatizada a tal ponto que, quando os superiores se dirigem a eles – o sargento sardônico (Jamie Foxx) ou o belicoso coronel (Chris Cooper) – é facilmente reconhecível o enorme esforço de adultos tentando fazer-se entender por crianças.
‘Soldado Anônimo’ assume estranha neutralidade, enganosa neutralidade em relação ao conflito bélico – ou a qualquer conflito, a qualquer tempo – que relata. Trata-se de uma extremada apresentação de fatos, ou não-fatos, tão estranha e aparentemente tão inexpressiva que tudo parece à beira do surreal.
Diante dele, o espectador vai entender porque livros e filmes são, com tanta freqüência, satíricos ou fantásticos. Justamente porque a experiência por que passa Swofford não tem uma lógica interna, o filme avança em uma série de incidentes que levam à guerra. A perspectiva do filme é a de Swofford – confusão, ambivalência. E qualquer guerra não é a um só tempo confusa ou ambivalente?
‘Soldado Anônimo’ explode com o mito do guerreiro nobre. O filme também sugere que uma nação depende deste mito e de seu apelo para certas pessoas mais impressionáveis. Há momentos de humor, referências ao ‘Franco Atirador’ de Michael Cimino e a ‘Nascidos para Matar’ de Kubrick, mas ‘Jarhead’ não é criticamente antibelicista naquela medida, já que Sam Mendes prefere trilhar a surrealidade. No que também está certo, na lógica da insanidade.