Estreias

A animada lição de 'Carros'

22 jun 2006 às 11:10

Este pessoal da Pixar sabe mesmo criar um evento, com sua abordagem particular e descomplicada sobre como deve ser um filme com imagens geradas por computador. Não basta só a aparência. Isto já é rotina, e fácil, para quem trabalha na especialidade. É preciso insuflar alma na coisa, temperar a engenharia sofisticada com algo mais, algum elemento para marcar a diferença diante da concorrência.

E o que é? Nada muito complicado, apenas talento para escrever uma história que independa do arsenal de truques tecnológicos. Eles da Pixar, à frente o mentor John Lasseter das 'Toy Story', sabem que a harmonia somente ocorre através da narrativa e não somente pelo número de efeitos e risos que provocam. A lição aparece clara, límpida, neste 'Carros' que chega aos cinemas de todo o Brasil.


O filme transcorre num universo em que carros são os seres viventes, em carne e osso segundo a fórmula consagrada do antropomorfismo. Isto significa que não há humanos no filme, que as vacas que pastam nos campos são tratores e até as moscas são minúsculos veículos (diminutos Volkswagen com asas, os quais querem ser chamados de bugs, isto é, insetos...).


O público é apresentado a Relâmpago McQueen, novato e ambicioso carro de corridas em circuito oval. Ele acredita que sozinho, sem ajuda de ninguém, poderá medir forças com os concorrentes Chick Hicks e The King, e assim ganhar uma corrida vital para o título. McQueen está a caminho da Califórnia para este novo tira-teimas, quando se perde e acaba chegando à pequena e pasmada cidade interiorana de Radiator Springs.


Ali ele se depara com o juiz, um velho carro chamado Doc Hudson (voz de Paul Newman na versão original e de Daniel Filho na brasileira) que não gosta das provas de velocidade, e por isso condena Relâmpago a prestar serviços comunitários. E ele vai ficando na cidadezinha.


John Lasseter, fanático confesso por carros de corrida, mas com talento e prudência mais que suficientes para sublimar este ângulo por trás das câmeras, volta à direção sete anos depois de ''Procurando N''. A exemplo do que havia feito em ''Toy Story'', retoma a seara da solidariedade como meio de enfrentar as vicissitudes da vida moderna. Mas o tema da família, tão caro ao diretor em ''Toy Story'' e ''Nemo'', cede lugar aqui aos laços de amizade, cultivados no cenário simples do campo.


Também ressurgem temas clássicos do filme de animação - a volta à natureza, o respeito, o elogio da simplicidade. Não se trata, no entanto, de uma ode ingênua e nostálgica a um entorno bucólico. Há embutida a denúncia de um conhecimento sem consciência, de uma tecnologia sem alma porque esquece seus fundamentos.

Se muitos filmes para crianças são para que estas curtam com os pais, ''Carros'' permite agregar ainda os avós, se ainda estiverem por perto. É que o espírito dos veículos que habita Radiator Springs, onde nada acontece há muitos anos, está impregnado dos princípios dos anos 1950. Embora sem justificar o ''recall'' da fábrica, ''Carros'' tem uma extensão que talvez sacrifique os pequenos. Mas o que vale é o caráter desta jornada - não importa como McQueen vai chegar ao final, mas sim a viagem sem si mesma. Aqui é recomendável, imperioso até, manter-se na sala até o último dos créditos. E quem não se divertiu o suficiente no decorrer do filme, que então se prepare.


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