Moradores e organizações ambientais de Londrina levaram o prefeito Marcelo Belinati (PP) a vetar dois artigos em específico da Lei de Uso e Ocupação do Solo que retrocediam avanços ambientais garantidos na versão da legislação ainda vigente. Os artigos vetados, propostos pela própria Prefeitura de Londrina e aprovados pelos vereadores, diminuem em 74% as faixas sanitárias que protegem leitos de rios e fundos de vales e elimina a obrigação de praças em algumas Aeis (Áreas Especiais de Interesse Social).
Um grupo de pessoas compareceu à Prefeitura de Londrina no fim da manhã desta quinta-feira (19) para entregar uma carta com o pedido, subscrita por 123 moradores de diversas regiões. Belinati falou rapidamente com os manifestantes e prometeu enviar os vetos nesta quinta para a Câmara de Vereadores – que pode ou não mantê-los – no mesmo dia.
A assessoria de imprensa da Prefeitura de Londrina informou que o prefeito concordou com os argumentos dos moradores e ambientalistas e enviou a sanção com os vetos à Câmara. Ninguém concedeu entrevista.
Entenda melhor
O Plano Diretor é uma lei que orienta o desenvolvimento urbano de um município. Ele é composto de leis complementares, como a de Uso e Ocupação do Solo, que define as áreas urbanas como residenciais, comerciais, industriais e de interesse social e ambiental.
Londrina é pioneira na preocupação ambiental. Em 1951, aprovou a Lei Municipal número 133, que dispunha sobre “arruamento, loteamento e zoneamento”, orientada pelo arquiteto e urbanista Prestes Maia. Ex-prefeito de São Paulo por dois mandatos, Maia foi o responsável por estreitar edificações próximas aos rios da capital paulista. Mas, em Londrina, propôs a criação de uma área verde não-edificável lindeira aos rios de 30 metros.
Mais tarde, com a legislação federal, esta faixa de 30 metros de largura passou a ser obrigatória, como APP (área de proteção permanente), e, em Londrina, são mais 30 metros de faixa sanitária, totalizando 60 metros.
Mais de 70 anos depois, a prefeitura propôs e a Câmara aprovou a redução da faixa sanitária de 30 metros para 8 metros de largura, reduzindo a distância de áreas edificáveis de rios e córregos de 60 metros para 38 metros. Essas faixas não apenas protegem os leitos de rios e córregos de assoreamento, mas, também, ajudam a evitar alagamentos graves em situações de muita chuva.
Já as áreas verdes em Aeis garantem que todos os loteamentos destinem parte dos terrenos para a criação de praças, que tornam o solo permeável para a água da chuva e permitindo o plantio de árvores. O artigo vetado propunha a flexibilização em loteamentos de Habitação de Interesse Social, ou seja, em empreendimentos voltados para atender às necessidades habitacionais de famílias de baixa renda.
Preocupação de todos
Os retrocessos passaram despercebidos nas audiências públicas que discutiram as leis complementares do Plano Diretor, mas, não deixaram de preocupar ambientalistas e moradores de Londrina.
“A faixa sanitária não poderia ser reduzida porque estamos atravessando uma época em que, ou chove muito, ou não chove nada. Isso é uma proteção que já foi criada lá nos anos 1950, quando a Lei 133 já definiu a preservação dos fundos de vale e das margens”, argumenta o presidente da Associação de Moradores do Vale dos Tucanos, Rubens Ventura.
Ele é um dos 123 moradores que subscrevem a “Carta Aberta em Defesa das Áreas Verdes e do Bem-Estar Urbano de Londrina”, entregue hoje a Marcelo Belinati. Ele compôs a comitiva que se encontrou o prefeito e sua equipe na manhã desta quinta.
Biólogo da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e pesquisador da fauna aquática, Mário Luís Orsi considera “um retrocesso abominável” reduzir a faixa sanitária. “É absurdo”, diz.
De acordo com ele, as consequências das mudanças na faixa sanitária para menos são várias. A primeira que ele cita é a drenagem das microbacias. “Londrina ficaria totalmente suscetível às enchentes, como as maiores cidades do Brasil. Nós ainda temos um amortecimento fantástico, que evita grandes catástrofes”, frisa.
Outras coisas que a faixa sanitária promove e que seriam prejudicadas são a redução da temperatura, a retenção de poluentes e a qualidade de água que vai para os mananciais, como os lagos Igapó e Cabrinha, que são turísticos.
Ele ainda elenca a relevância de áreas verdes para o paisagismo e o conforto ambiental, além da importância de manter agentes da biodiversidade dentro da cidade, um dos pontos mais fortes quando se debate as mudanças climáticas. “E o que nos choca é que nós já temos isso. Só teríamos que ampliar, mas, vêm pessoas com interesses escusos reverter um processo do qual Londrina já é exemplo. Fundos de vale são permeáveis, então, conseguem reter a água que vem e escoar isso com facilidade. É uma vantagem de engenharia ambiental que Londrina tem e que outras cidades sonham e não têm”, lamenta.
Pesquisador da área de entomologia médica (estudo sobre insetos e artrópodes que podem afetar a saúde humana), o também biólogo da UEL João Zaqui alerta que tudo está interligado. A redução de áreas verdes como parques e praças acabam reduzindo a permeabilização do solo, o que provoca o arrastamento de entulhos para corpos de rios e córregos. “Assim, vai lixo para as águas, vai plástico para os peixes e, em volta, ficam embalagens que viram criadouros de mosquitos”, exemplifica.
Para ele, manter as faixas sanitárias é de alta importância, “ainda mais num período de extremos climáticos”, mas, ele alerta que precisa de manutenção. “Áreas verdes podem criar mosquitos? Sim, mas, se forem bem cuidadas, são áreas de lazer e de importância ambiental”, explica.