O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira (14) confirmar a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de mandar o Senado instalar a CPI da Covid.
Por 10 votos a 1, os ministros concordaram que, como a minoria da Casa Legislativa conseguiu apoio de um terço dos parlamentares, há o direito de abrir uma comissão para apurar ações e possíveis omissões do governo Jair Bolsonaro na condução da crise sanitária decorrente da pandemia do coronavírus.
A decisão representa uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro, que trabalhou para evitar a instalação da comissão, e reforçou a pressão sobre o Senado.
O placar também indicou uma unidade do Supremo em meio à crise entre os Poderes e aos ataques de Bolsonaro a Barroso após a decisão monocrática do ministro. Até o ministro Kassio Nunes Marques, indicado pelo atual presidente e tratado como aliado por bolsonaristas, endossou a maioria.
Na votação desta quarta, os magistrados entenderam que estão presentes os três requisitos exigidos pela Constituição para criação de CPI, que são, além da assinatura de ao menos 27 senadores, a indicação de fato determinado a ser investigado e a definição de prazo de duração.
Apenas o ministro Marco Aurélio divergiu. Ele defendeu que decisões tomadas pelo relator de maneira individual em mandados de segurança não precisam ser analisadas pelo plenário.
O magistrado não votou em relação ao mérito da ordem de instalação da CPI e apenas afirmou que não concordava com a forma do julgamento.
"O que ocorre se o plenário admitir hoje o instituto do referendo da liminar em mandado de segurança? Estará a impetração esvaziada. Estará inobservada a própria lei que rege essa interpretação, no que sinaliza que a atribuição para implemento de tutela de urgência ou para indeferir a tutela é unicamente do relator", disse.
Após a ordem judicial de Barroso, Bolsonaro mobilizou sua base aliada e conseguiu ampliar o objeto da CPI para que também apure os repasses do governo federal a estados e municípios, o que dilui a pressão de uma investigação focada apenas no Palácio do Planalto.
O requerimento de criação da CPI foi lido na terça-feira (13) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Em meio à pressão da base governista para tentar minar a comissão, Pacheco decidiu unir dois requerimentos apresentados por senadores, formando uma única comissão que, além de investigar a gestão do presidente Bolsonaro, também tratará de repasses de verbas federais para estados e municípios.
No julgamento desta quarta-feira, o STF deixou claro que a decisão respeita a jurisprudência da corte que prevê decisão para determinar a criação da comissão quando estão presentes os três requisitos previstos na Constituição.
Os ministros afirmaram, porém, que a ordem do Supremo não representa uma intromissão nos trabalhos do Legislativo. Isso quer dizer que o Supremo não determinará data de instalação, composição do colegiado nem cronograma de trabalho da CPI.
Não é a primeira vez que o STF determina a instalação de CPIs a pedido da oposição. Em 2005, o Supremo mandou instaurar a dos Bingos, em 2007, a do Apagão Aéreo, e, em 2014, a da Petrobras.
A decisão do plenário do Supremo foi recebida pelos senadores como uma pressão contra eventuais medidas que busquem retardar a comissão.
Pouco antes da leitura do requerimento da CPI, na terça, o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), pediu que a instalação só ocorresse quando os senadores e demais envolvidos estivessem imunizados contra a Covid-19.
No plenário do Supremo, porém, não houve indicações dos ministros para deixar os trabalhos para depois da pandemia, como chegou a ser cogitado, e líderes de bancadas avaliaram que a decisão colegiada cumpriu a Constituição.
"É o seguimento estrito do que diz a Constituição. Não há espaço para criatividade excessiva", afirmou o líder do Cidadania, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos congressistas que ingressaram com mandado de segurança requerendo a instalação da CPI.
Um líder governista avaliou que a decisão da corte se ateve à questão do direito à instalação da CPI, sem adentrar a questão da pandemia. Por isso, para ele, nada impede que senadores recorram de novo ao STF, agora para retardar ou paralisar os trabalhos em função da crise da Covid.
Na sessão do Supremo, Barroso afirmou que a Constituição é expressa em afirmar que não cabe juízo político do presidente das Casas Legislativas para decidir sobre abertura ou não de uma CPI.
"Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática. Tanto é assim que o quórum é de um terço dos membros da Casa Legislativa, e não de maioria", comentou.
A decisão de Barroso foi duramente criticada por Bolsonaro, que acusou o ministro de atuar com viés político e disse que o Supremo interfere nos demais Poderes.
Pacheco, que se elegeu para comandar o Senado com apoio do governo, também criticou a decisão. Ele qualificou a decisão do STF de equivocada e disse que, neste momento, "com a gravidade que a pandemia nos exige união, vai ser um ponto fora da curva".
Os ministros analisaram mandado de segurança apresentado pelos senadores Jorge Kajuru (Cidadania-GO) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Eles haviam apresentado o pedido de instalação de CPI ao presidente do Senado e, diante da resistência em acolher a solicitação, acionaram o Supremo.
A crise política desencadeada com a decisão de Barroso foi ampliada após Kajuru divulgar um diálogo que teve com Bolsonaro por telefone em que o tema era o assunto entre os dois.
Na ligação, o presidente pressiona o senador para ampliar o objeto da CPI e pede para o parlamentar também pedir ao Supremo que seja determinada a abertura de impeachment contra ministro da corte no Senado.
Ao votar nesta quarta, Barroso afirmou que a jurisprudência do Supremo é pacífica quanto a permitir aos parlamentares que tenham proposto a criação de CPIs no Congresso Nacional recorreram à corte para postular a sua instalação.
"Nas democracias, a Constituição institucionaliza e limita o exercício do poder político. E, na maior parte dos países, é a Suprema Corte ou o tribunal constitucional que interpreta adequadamente esse limites", frisou Barroso.
"Diversos países do mundo vivem recessão democrática. Exemplos conhecidos são Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Geórgia, Venezuela. Todos eles, sem exceção, assistiram processos de ataques e esvaziamento de seus tribunais constitucionais. Quando a cidadania daqueles países já era tarde. Reafirmar o papel das Supremas Cortes de proteger a democracia e os direitos fundamentais é imprescindível ato de resistência democrática."
O ministro disse que não há de criativo, original ou inusitado na decisão liminar concedida por ele.
"Concedi à luz da doutrina. Quanto à jurisprudência, o tema foi objeto de apreciação pelo STF em diversas ocasiões, com a participação de componentes atuais do nosso plenário", disse.
Barroso citou precedentes do tribunal que determinaram a instalação de comissões parlamentares de inquérito em governos passados. E reafirmou o direito da minoria em fiscalizar o poder público, sobretudo em relação à pandemia.
"A instalação de uma CPI não se submete a um juízo discricionário seja do presidente da casa legislativa, seja do plenário da casa legislativa. Não pode o órgão diretivo ou a maioria se opor a tal requerimento por questões de conveniência ou de oportunidade políticas. Atendidas exigências constitucionais, impõe-se a instalação da comissão parlamentar de inquérito."
O relator disse que o papel do Supremo na defesa dos direitos das minorias deve ser exercido com parcimônia.
"Como regra geral, decisões políticas devem ser tomadas por quem tem voto. Todavia, neste mandado de segurança o que está em jogo não são decisões políticas, mas o cumprimento da Constituição, e o que se discute é o direito das minorias parlamentares de fiscalizarem o poder público, no caso específico diante de uma pandemia que já consumiu 360 mil vidas apenas no Brasil", disse Barroso.
"Não cabe ao Senado Federal dizer se vai instalar ou quando vai funcionar, mas como vai proceder. Caberá ao Senado definir se por videoconferência, se por modo presencial, ou por modo semipresencial."
Antes do voto de Barroso, o subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros, representante da Procuradoria-Geral da República no julgamento, defendeu a decisão do Supremo.
"Entende o Ministério Público que a liminar é correta e coerente. As mudanças fáticas não justificam a alteração da jurisprudência", pontuou Medeiros.
O subprocurador-geral afirmou que o Ministério Público Federal avalia que não há litígio entre Poderes da República, "apenas a necessidade de aclararmos, de reiterarmos a jurisprudência dessa corte mesmo na situação incomum em que se vive".
"O que demonstra que não há nenhum tipo de tensão entre Poderes, mas apenas delimitação clara, reafirmação precisa da vinculação do ato de instalação de uma CPI", disse Medeiros.
Atualizada em 15/04/2021 às 8h31.