O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, afirmou nesta terça-feira (20) que as reações do governo de Israel à fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comparando a guerra em Gaza ao Holocausto são inaceitáveis, mentirosas e cortina de fumaça para os ataques no território palestino.
"As manifestações do titular da chancelaria do governo [de Binyamin] Netanyahu, de ontem e de hoje, são inaceitáveis na forma, e mentirosas no conteúdo", afirmou Vieira na saída da Marina da Glória, no Rio de Janeiro, local de reuniões do G20.
"Uma chancelaria dirigir-se dessa forma a um chefe de Estado, de um país amigo, o presidente Lula, é algo insólito e revoltante. Uma chancelaria recorrer sistematicamente à distorção de declarações e a mentiras é ofensivo e grave. É uma vergonhosa página da história da diplomacia de Israel, com recurso a linguagem chula e irresponsável", disse o chanceler brasileiro. O Itamaraty encaminhou as declarações de Vieira em canais usados para divulgação de comunicados à imprensa.
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Israel declarou Lula "persona non grata" e exigiu desculpas pela comparação feita pelo presidente brasileiro durante fala em reunião da União Africana, no domingo (18).
De lá para cá, a crise diplomática se agravou com reprimenda fora do protocolo ao embaixador brasileiro em Tel Aviv; o governo brasileiro também convocou o representante israelense no país, Daniel Zonshine, para reunião. Nesta terça, a chancelaria israelense chamou Lula de negacionista do Holocausto em publicação nas redes sociais.
"Nossa amizade com o povo israelense remonta à formação daquele Estado, e sobreviverá aos ataques do titular da chancelaria de Netanyahu", afirmou Vieira em suas declarações no Rio de Janeiro.
"O ministro Israel Katz distorce posições do Brasil para tentar tirar proveito em política doméstica. Enquanto atacou o nosso país em público, no mesmo dia, na conversa privada com nosso embaixador em Tel Aviv afirmou ter grande respeito pelos brasileiros e pelo Brasil, que definiu como a mais importante nação da América do Sul. Esse respeito não foi demonstrado nas suas manifestações públicas, pelo contrário. Não é aceitável que uma autoridade governamental aja dessa forma", seguiu Vieira.
"Além de tentar semear divisões, busca aumentar sua visibilidade no Brasil para lançar uma cortina de fumaça que encubra o real problema do massacre em curso em Gaza, onde 30 mil civis palestinos já morreram, em sua maioria mulheres e crianças, e a população submetida a deslocamento forçado e a punição coletiva", declarou Vieira, adicionando que a reação brasileira será "com diplomacia, mas com toda a firmeza".
O ministro Mauro Vieira foi convidado pelo senador Renan Calheiros (MDB) a participar de audiência no Congresso e debater a crise diplomática com Israel. Calheiros preside a CRE (Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional), colegiado que fará o encontro para o qual o chanceler foi convidado.
A deterioração das relações entre os dois países piorou após a comparação feita por Lula, mas já vinha sofrendo abalos constantes desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro e a subsequente invasão israelense da Faixa de Gaza.
Logo no início do conflito, o presidente brasileiro condenou o ataque da facção palestina e nomeou o ato como terrorismo, mas não citou o Hamas. Pressionado por não fazer referência ao grupo islâmico, Lula o definiu como terrorista no fim de outubro, mas também classificou a reação de Israel como "insana".
Já em novembro e dezembro, o presidente brasileiro passou a equiparar a resposta de Israel em Gaza ao ataque do Hamas, acusou Tel Aviv de querer ocupar o território palestino e chamou Netanyahu de extremista em declarações à rede qatari Al Jazeera.
Em janeiro, o governo brasileiro declarou apoio à denúncia da África do Sul contra Israel por genocídio na Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas, movimento que também recebeu críticas de Tel Aviv.
Em visita de cinco dias ao Cairo e a Adis Abeba na semana passada, Lula manteve duras críticas ao que chamou de "resposta desproporcional" de Israel, e chegou a dizer que o país tem "primazia em descumprir decisões da ONU".
Até então, as declarações do presidente tomavam o cuidado, no entanto, de não ultrapassar certos limites que, uma vez cruzados, poderiam esfriar de vez suas credenciais como ator que busca influenciar negociações e mediar um cessar-fogo no conflito. A fala sobre o Holocausto, porém, mudou esse cenário e resultou nas reações de Israel agora criticadas por Vieira.