A aproximação entre o ex-presidente Lula (PT) e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (sem partido, ex-PSDB), com troca de elogios e um primeiro jantar público em meio às articulações para formem uma chapa nas eleições de 2022, é uma novidade na longa relação política entre os dois.
Alckmin, agora cotado para ser vice de Lula em uma candidatura à Presidência, comandou o governo paulista entre os anos de 2001 a 2006 e entre os anos 2011 a 2018, por quatro mandatos. Lula foi presidente do Brasil por dois mandatos, entre 2003 e 2010.
Com isso, eles conviveram institucionalmente por quase quatro anos. Os dois também disputaram as eleições de 2006, vencida pelo petista em um segundo turno contra, justamente, o ex-tucano.
Leia mais:
Tiago Amaral anuncia equipe de transição de governo em Londrina
Deputado federal lança livro e documentário sobre dívida pública brasileira nesta quinta-feira
Entenda como a vitória de Trump deve afetar o Brasil, com mais protecionismo e cerco a importados
Brasil terá 52 prefeitos apoiados por PT e PL, incluindo vice de sigla rival
Mesmo antes do período eleitoral daquele pleito, a troca de declarações entre os dois foi pautada mais por rusgas e ataques do que pelos elogios que agora eles fazem, reciprocamente, em público.
Veja os principais momentos dessa relação.
Transição 'ética e madura'
Em 2003, em um dos raros momentos de troca de afagos entre os dois naquela época, o então governador de São Paulo pelo PSDB considerou o discurso feito no Congresso do então presidente Lula à altura da responsabilidade de um chefe de Estado, que estava assumindo o país.
"A posse de Lula confirma o Brasil como uma das maiores democracias do mundo", disse Alckmin, que comentou também a transição de governo que considerou "ética e madura".
O governador e outros tucanos deixaram a
cerimônia antes do fim. Alckmin disse que foi a Brasília apenas
cumprimentar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e desejar
boa sorte a Lula.
No ano seguinte, Alckmin afirmou que críticas feitas por FHC eram alerta à gestão Lula, que estaria, na visão dele, parada.
'Irresponsável', 'temerário', 'porta de cadeia'
Em 2005, Alckmin classificou de irresponsáveis as declarações feitas por Lula de que teria abafado denúncias de corrupção ocorridas no governo FHC (1995-2002).
"Uma declaração totalmente irresponsável. Uma maneira temerária, com absoluta falta de seriedade no trato da questão pública. Se há alguma coisa errada, tem de ser apurado e punido. E se não há, é uma maneira absolutamente irresponsável de tratar questões da República", disse.
De acordo com Alckmin, Lula devia explicações à nação pelas declarações feitas. "É temerário, é inconcebível o presidente da República dizer que tem conhecimento de ato de corrupção e determinar o seu abafamento. O presidente deve explicações à nação. Acho que todos nós aguardamos essa explicação. A sociedade merece um esclarecimento dessa questão."
Em 2006, foi a vez de Lula, candidato à reeleição pelo PT, fazer duras críticas a Geraldo Alckmin, durante uma entrevista às rádios Bandeirantes e BandNews.
Questionado especificamente sobre a promessa de Alckmin de vender o avião presidencial comprado durante a sua gestão à frente do governo federal -que ficou conhecido como Aerolula-, o presidente disse que ficou "irritado" com a "pequenez" do comentário. "Só um maluco acha que pode realizar viagens internacionais com um avião de carreira", disse.
Em seguida, aproveitou o tema como mote para falar novamente de privatizações. "A única coisa que ele [Alckmin] sabe fazer é vender coisas. O PSDB não devia ter candidato a nada. Devia ser candidato a [dirigir] uma empresa de vender empresas estatais", afirmou o presidente.
Na época, Lula classificou a participação de Alckmin nos
debates das eleições como triste e comparou-o a um "delegado de porta de
cadeia".
"O presidente Fernando Henrique tem feito críticas administrativas e políticas, não ofensas. Sou adepto de Santo Agostinho, prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me adulam, porque me corrompem. É um alerta do presidente Fernando Henrique, porque o governo está paradinho, paradinho", disse.
Alckmin participava da inauguração das passagens subterrâneas da estação da Luz ligando a estação da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) ao Metrô.
Alckmin afirmou também, na época, que as eleições não deveriam ser usadas como desculpa pelo governo federal. "Quais as áreas que não estão [paradas]? É evidente que este ano foi muito devagar. Essa coisa de que eleição deve parar é equivocada, até porque o Brasil tem eleição de dois em dois anos."
'Dinheiro sujo', 'mentira', 'saudade do tempo da tortura'
O ponto máximo de temperatura entre os agora possíveis aliados ocorreu durante o primeiro debate do segundo turno da eleição de 2006, realizado pela TV Bandeirantes em 8 de outubro daquele ano.
Lula, que durante a campanha dava sinais de que poderia vencer no primeiro turno, perdeu pontos na reta final e marcou 48,61% dos votos, contra 41,64% de Alckmin.
A inesperada necessidade de um segundo turno, e a diferença mais estreita do que se imaginava entre os dois primeiros colocados, acabou levando a uma disputa tensa.
Dois temas dominaram a campanha no segundo turno, cada um esgrimido por um dos lados.
Alckmin pressionava Lula a explicar a origem de R$ 1,75 milhão em dinheiro vivo apreendido pela Polícia Federal em um hotel de São Paulo, que seria pagamento de petistas por um dossiê com acusações falsas contra tucanos.
O escândalo derrubou o comando da campanha de Lula, que apelidou os envolvidos no caso de "aloprados".
O então presidente, por sua vez, martelava na campanha que Alckmin, se eleito, daria início a um programa radical de privatizações, que incluiria até a Petrobras. A ideia era explorar acusações de irregularidades na venda de estatais no governo FHC.
Com menos de cinco minutos do debate da Band, Alckmin foi ao ataque. "Candidato Lula, de onde veio o dinheiro sujo, R$ 1,75 milhão em dinheiro vivo, para comprar um dossiê fajuto?".
"Possivelmente o governador [Alckmin] tenha saudade do tempo da tortura, em que com meia hora de prisão já se sabia quem era o mandante do crime", disse o então presidente.
O contra-ataque do petista veio numa pergunta sobre acusações de irregularidades na Saúde praticadas pelo ex-ministro tucano Barjas Negri. "O governador, nas suas bravatas, ele fala de uma moralidade que parece que ele está numa sacristia", disse Lula.
"Não meça as pessoas pela sua régua. [...] Se há alguém que não tem moral para falar de ética é o governo Lula", reagiu. Em outro momento, disse que o adversário mentia. "Quanta mentira. Quanta mentira. Como o Lula mudou".
Lula, por sua vez, procurava caracterizar o oponente como alguém que não tinha preocupação com a área social.
"Ao invés de ficar apenas com leviandade, governador, é importante ter em conta o seguinte: quais são as políticas sociais concretas que o PSDB tem para o Brasil? Porque o fato concreto é que a única coisa que vocês sabem fazer é vender o patrimônio público."
Embora sem a mesma contundência expressada em 2006, Alckmin voltou à carga posteriormente contra o petista em momentos-chave de sua carreira política.
"Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ou seja, meus amigos, ele quer voltar à cena do crime", disse o tucano em dezembro de 2017, ao assumir a presidência nacional do PSDB.
'Apoio para voltar à cena do crime'
'Outro exemplo ocorreu em março do ano seguinte, quando dois ônibus de uma caravana de Lula pelo Paraná foram atingidos a tiros. Alckmin disse que o PT estava "colhendo o que plantou".
Durante a campanha de 2018 para a Presidência, Alckmin atacou o PT e rejeitou totalmente a possibilidade de uma aliança com o partido.
"Não existe a menor chance de aliança com o PT. Vou disputar e vencer o segundo turno, para recuperar os empregos que eles destruíram saqueando o Brasil. Jamais terão meu apoio para voltar à cena do crime. Seus apoiadores são aqueles que acampam em frente a uma penitenciária".
No mesmo ano, ele disse "não temos medo
do PT e do Lula. Acreditamos na experiência do eleitor brasileiro, que
viveu a pior crise da nossa história e saberá fazer a escolha certa.
#PreparadoParaoBrasil".
Alckmin também criticou Lula na época em que o
petista foi preso por conta de investigações da Lava Jato,
posteriormente anuladas pelo STF.
Na ocasião, em resposta a comentários do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, Alckmin afirmou que "não é o meu partido que é comandado de dentro de um presídio. Nem minha campanha foi lançada na porta de penitenciária. Em São Paulo, bandido pega cana dura. Nós construímos 99 novos presídios e reduzimos a criminalidade".
O ex-tucano também falou que ninguém estava acima da lei, ao ser questionado sobre a situação jurídica do petista.
'Extraordinária relação', 'grandeza', 'espírito público'
Clima bem diferente dos anos anterior foi vivenciado entre Alckmin e Lula nas últimas semanas. Lula disse recentemente, em entrevista para a Rádio Gaúcha, que espera Geraldo Alckmin definir seu partido para decidir sobre a possibilidade de o ex-governador de São Paulo integrar sua chapa para as eleições de 2022 como candidato a vice.
Dizendo que teve "extraordinária relação" com Alckmin quando era presidente, Lula indicou que a possibilidade de aliança é real, mas depende também de acerto partidário. O ex-governador deixou o PSDB e tem o PSD e o PSB como principais opções de filiação.
"Quando fui presidente, tive uma extraordinária relação com Alckmin, [José] Serra, Yeda Crusius, [Germano] Rigotto. Eu não fazia diferença na minha relação com entes federados. Não queria saber de que partido era a pessoa", disse, citando ex-governadores de São Paulo e Rio Grande do Sul.
"Tive extraordinária relação com Alckmin, foi um governador responsável aqui em São Paulo. Ele está numa definição de partido, estamos em processo de conversar, vamos ver, se a hora que eu definir se sou candidato ou não, é possível construir uma aliança política. Primeiro preciso ver qual partido ele vai entrar, ele ainda não decidiu", disse.
Dias antes, o ex-presidente já havia feito um aceno, dizendo que não havia nada na relação entre eles "que não podia ser reconciliado".
No último domingo (19), o jantar que reuniu Lula e Alckmin explicitou o avanço da chapa conjunta para a Presidência da República na eleição de 2022, mas também evidenciou arestas a serem aparadas.
O principal obstáculo é o acerto em São Paulo que deriva da aliança nacional -o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e o ex-governador Márcio França (PSB) são pré-candidatos ao Governo de São Paulo, e um dos dois teria que abrir mão desse plano.
Em seu discurso Lula falou em respeito a Alckmin e minimizou rivalidades no geral. "Não importa se no passado fomos adversários", disse. O ex-governador disse ser hora de "grandeza política, espírito público e união".
A leitura geral foi a de que a aparição em público selou a parceria entre os ex-adversários e de que o jantar foi representativo e cumpriu seu papel.
Pesquisa Datafolha divulgada na última sexta-feira (17) mostra que, para 70% dos eleitores, a hipótese da chapa Lula-Alckmin não altera a chance de votar no petista, que lidera a corrida com 48%. O presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece em segundo com 22%.
O jantar ocorreu logo após a saída de
Alckmin do PSDB. A migração do ex-governador também foi vista como um
avanço na direção da formação da chapa.
Um dia após a
desfiliação, Alckmin publicou no Twitter que "o diálogo é o primeiro
passo para enfrentarmos os desafios, avançar e garantir a retomada do
crescimento".
"Nosso país precisa de pacificação", disse. "O momento exige grandeza política, espírito público e união", completa. O discurso faz referência à propagada união de adversários para a superação do bolsonarismo.