Era em uma casa de taipa, com três pequenos cômodos de paredes inacabadas em Teresina, no Piauí, que a menina de 11 anos grávida pela segunda vez após estupro vivia com a mãe antes de ser levada a um abrigo por ordem da Justiça.
Há um ano, também depois de ser vítima de um estupro e não ter realizado o aborto legal a que tinha direito, ela deu à luz.
No bairro da zona rural de ruas esburacadas e chão de terra batida, é relativamente comum os casamentos infantis e a gravidez precoce. Não é difícil encontrar gestantes adolescentes pelas ruas.
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Segundo uma líder comunitária, é muito comum o registro de gravidez precoce na região. Ainda de acordo com ela, algumas adolescentes tomam remédios caseiros para abortar e outras dão continuidade à gestação sem fazer o pré-natal, só procurando uma unidade de saúde no momento do parto.
O povoado tem cerca de 300 pessoas que vivem do Auxílio Brasil e de bicos. O transporte coletivo é precário. A maioria das casas é de taipa, abrigando mais de cinco pessoas, muitas delas desempregadas.
Paloma Santos, coordenadora da UBS (Unidade Básica de Saúde) que descobriu a primeira gravidez da
menina de 11 anos, reafirma que é preocupante o índice de gravidez na adolescência na região.
"Inclusive temos alta taxa de sífilis na adolescência. Das 70 gestantes que atendemos na UBS por mês, cerca de 20 são menores de 18 anos", disse.
O relato de Santos sobre a família da garota é de constante conflito. "Ela vive em uma família complicada, os pais se estapeiam na frente dos meninos, batem nos meninos, espancam. A agente de saúde é presente, mas deixou de agir porque ela foi ameaçada, constrangida. A família disse para ela não se meter."
A gravidez na adolescência tem um histórico na casa. A mãe da menina a gerou com 17 anos. Ela é a mais velha de quatro filhos -os demais têm nove anos, três e um.
O caçula, portanto, tem a mesma idade do neto. As duas descobriram no mesmo dia que estavam grávidas.
A mãe da menina, que não trabalha, recebe R$ 650 do Auxílio Brasil. O pai é autônomo, capinando, como caseiro.
Os dois estão separados há dois meses, mas em 16 anos foram vários términos e reconciliações.
A menina, que mora em abrigo desde a última segunda (12), vivia alternando entre a casa da mãe e a da avó paterna, local que mora o pai após a separação.
A mãe, uma dona de casa de 29 anos, contou à reportagem que a filha chegou a tomar injeção anticoncepcional na UBS próxima de sua casa, em fevereiro de 2022, para evitar nova gravidez.
A dona de casa disse ainda que, antes de a filha tomar a injeção, ela comprou um teste de gravidez na farmácia cujo resultado foi negativo.
Procurada, a Fundação Municipal de Saúde disse que a última consulta da menina na UBS foi no dia 30 de julho de 2021. A entidade não confirmou nem negou a aplicação da injeção anticoncepcional.
"Detalhes sobre atendimento/prontuário não podem ser divulgados por conta da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). As informações sobre os atendimentos só podem ser repassadas ao paciente, responsáveis ou à Justiça. Neste dia (30/07/21), ela teve consulta de enfermagem e vacina", diz nota da Fundação Municipal de Saúde.
A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente investiga o caso. A mãe prestou depoimento e pediu à delegada Lucivânia Vidal, que preside o inquérito, que o filho da menina seja submetido a um exame de DNA.
A mãe diz ter descoberto por uma sobrinha que o tio paterno, suspeito do segundo estupro, violentava sexualmente a filha desde os oito anos.
A Polícia Civil do Piauí disse que o caso corre em segredo de Justiça e que não poderia dar detalhes da investigação.
Sobre a possibilidade de aborto da atual gestação, a Maternidade Dona Evangelina Rosa afirmou que foi criada uma junta médica para analisar a possibilidade da interrupção da gravidez. Na maternidade, a menina está tendo acompanhamento médico e psicológico. A Justiça não se posicionou sobre o aborto.
A Defensoria Pública e OAB acompanham o caso.
O pai se posicionou a favor do aborto, mas a mãe foi contra. Ao falar à reportagem, porém, a mãe afirmou que, se receber uma posição de uma junta médica garantindo que o aborto é seguro, ela autoriza a interrupção da gravidez.
Segundo a conselheira tutelar Renata Bezerra, em depoimento à polícia que ela acompanhou, a menina manifestou o desejo de fazer o aborto. Ela teria dito também que o autor do estupro foi um vizinho, e não o tio paterno como a mãe vem afirmando.
A reportagem não conseguiu confirmar as duas informações com a delegacia.