Prefeitos e vereadores têm duas vezes mais indiciamentos criminais do que a população em geral. Ao todo, 2,3% dos brasileiros estão envolvidos em processos de delitos que vão desde corrupção a infrações de trânsito, cifra que chega a 5,1% para os políticos municipais.
Entre eles, a incidência de quase todos os crimes é maior, incluindo para delitos de intimidação e os relacionados a drogas, armas e venda de mercadorias ilegais. A população geral supera os políticos apenas em crimes violentos, como homicídios.
Os dados são de estudo realizados pelos pesquisadores brasileiros Breno Sampaio, professor de economia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), e Diogo Britto, professor assistente de economia da Universidade de Milão Bicocca (Itália), e dos italianos Gianmarco Daniele, Marco Le Mogl e Paolo Pinotti, de universidades no mesmo país. A pesquisa não considera os resultados das eleições atuais.
Os pesquisadores identificaram ainda que cidades governadas por prefeitos com histórico criminal têm piores resultados na gestão pública -em particular, nos indicadores de saúde. De acordo com o estudo, esses municípios tiveram aumento de 8% na chance de nascimentos de crianças com baixo peso e de 21% na mortalidade infantil.
Para chegar a esse resultado, os autores compararam cidades com características similares, inclusive em tamanho da população, que elegeram prefeitos com histórico criminal com as que por pouco não elegeram. Ao todo, cerca de mil municípios foram analisados.
Para identificar políticos com indiciamento criminal, os pesquisadores reuniram dados de cerca de 18 milhões de processos criminais de toda a justiça entre 2009 e 2020 e cruzaram essas informações com o banco de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Eles compararam esses dados com uma amostra aleatória de 2% da população brasileira.
Apenas candidatos que concorriam pela primeira vez foram avaliados, já que políticos com algum histórico de carreira pública são mais suscetíveis a processos, de acordo com Breno Sampaio, da UFPE, um dos autores da pesquisa. Eles também analisaram somente o indiciamento criminal dos candidatos, e não as condenações, devido a restrições geradas pela Lei da Ficha Limpa.
Segundo o professor, uma das teorias para explicar o quadro identificado pelo estudo é que candidatos com algum histórico criminal veem na política uma oportunidade para beneficiar a si próprios.
Taxa de histórico criminal
Em %
População geral - 2,3
Candidatos - 4,4
Eleitos - 5,1
Fonte: A Few Bad Apples? Criminal Charges, Political Careers, and Policy Outcomes, 2024
"A carreira política é uma opção atrativa para quem deseja roubar", diz. "Existe uma incidência grande de corrupção nesse meio, então essa percepção talvez faça com que pessoas mais desonestas e dispostas a cometer delitos efetivamente se candidatem e, em alguns casos, se elejam."
Ele afirma que, além disso, são pessoas que podem ter menos chances de se tornarem bem-sucedidas no mercado de trabalho, inclusive por já terem passado por complicações com a lei.
Em todo o país, a Polícia Federal prendeu, até setembro, 36 candidatos que tinham mandados de prisão em aberto, por crimes que vão desde tráfico de drogas até inadimplência por pensão alimentícia.
Partidos podem ver vantagem em lançar candidatos vinculados ao crime, sobretudo quando eles têm alguma influência sobre comunidades locais, de acordo com Sérgio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais da FGV (Fundação Getulio Vargas). Ele diz que isso ocorre principalmente entre siglas pequenas, que têm menos incentivo para filtrar os melhores políticos.
"Criminosos impunes controlam votos, bairros e comunidades, por meio da violência ou não", afirma. "É o melhor dos mundos para o partido ter o cara que é malandro suficiente para se dar bem na política e influenciar uma comunidade, mas não é condenado."
Como consequência, eleger políticos com histórico criminal gera resultados piores na gestão pública das cidades. Breno Sampaio diz que isso ocorre devido ao clientelismo, que faz prefeitos nomearem pessoas próximas a si em cargos de liderança. Políticos com histórico criminal contratam 43% mais membros de seu partido, segundo o estudo.
Os pesquisadores identificaram ainda que, apesar de terem resultados piores, os municípios administrados por prefeitos envolvidos em processos criminais tiveram os mesmos gastos em saúde que as cidades lideradas por gestores sem esse histórico.
"Clientelismo pode trazer corrupção, mas também traz gente menos técnica, o que conduz a uma gestão menos eficiente e leva a uma piora de indicadores", declara Sampaio.
De acordo com especialistas, existem recursos que podem ser usados para evitar a eleição de políticos desonestos e os casos de corrupção nas prefeituras. Um deles, segundo o professor Sérgio Praça, é melhorar a seleção de candidatos nos partidos.
O outro, identificado pelo estudo, é a auditoria de cidades, como a feita pela CGU (Controladoria-Geral da União). Quando a fiscalização ocorre em ano eleitoral, o número de candidatos com histórico criminal é reduzido.
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