Nas últimas semanas, dois casos de agressão envolvendo policiais militares do Paraná ganharam destaque por conta das cenas de violência. No primeiro, registrado no dia 23 de agosto, é possível ver um PM dando tapas na então companheira na cidade de Capanema (Sudoeste). No outro, no dia seguinte, o policial é filmado agredindo uma mulher durante uma ocorrência de perturbação do sossego em Itambaracá (Norte Pioneiro). Ambos estão afastados de suas funções.
Os casos ganharam repercussão por terem sido filmados, mas cenas semelhantes acontecem diariamente em todo o Brasil, garante o coordenador do LEGS (Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança) e professor do Departamento de Ciências Sociais da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Cleber Lopes.
Ele aponta que uma característica vista em ambos os casos é a violência contra a mulher. Como uma instituição majoritariamente formada por homens, destaca, o fato de os autores serem dois policiais agrava ainda mais o problema. “Tem uma estrutura social e patriarcal que cria condições favoráveis para que as mulheres sejam vitimadas”, aponta.
Além do machismo, em relação ao caso ocorrido em Capanema, em que um policial é visto agredindo a companheira, o pesquisador afirma que é possível analisar as condições psicológicas dos profissionais que atuam na linha de frente da segurança pública. Dados do Anuário de Segurança Pública de 2024 apontam que, em 2023, o número de policiais que morreram vítimas de suicídio foi superior às mortes em confrontos pela primeira vez desde que o dado começou a ser contabilizado, em 2014. “Isso acende uma luz vermelha e aponta para problemas de saúde mental muito sérios dentro das corporações policiais brasileiras”, aponta.
Segundo ele, os profissionais das forças de segurança se colocam em posições de risco, com turnos longos e sem usufruir das folgas, já que muitos vão para a “segunda jornada”. “Tudo isso é uma consequência para a saúde mental dos policiais e para os níveis de estresse deles. Isso contribui, dentro de uma estrutura patriarcal, para a ocorrência desse tipo de situação”, ressalta.
Casos de abuso policial, como o de Itambaracá, acontecem ainda pela falta de políticas públicas. Segundo Lopes, as câmeras corporais têm potencial de inibir situações de abuso. No Paraná, 300 câmeras estão em fase de teste desde o mês de abril. Ao todo, o efetivo policial ultrapassa os 18 mil no estado.
Ele reforça que o policial envolvido no caso precisa ser responsabilizado, mas que a solução vai além da punição. De acordo com o pesquisador, nenhum policial aprende, durante o treinamento, a conduzir uma abordagem de maneira agressiva e ofensiva. Lopes aponta que os policiais reproduzem vários elementos de uma mentalidade autoritária. “É como se eles se sentissem empoderados para imporem comportamentos a qualquer custo”, destaca.
Cleber Lopes pontua que é papel da polícia gerir situações de perturbação da ordem, que fazem parte da sociedade, por meio de diálogo para “desescalar” o conflito. “Os policiais têm muita dificuldade para gerenciar conflitos, que é o cerne do trabalho deles”, explica, complementando que, em muitos casos, os agentes acabam reproduzindo e gerando mais violência. Essa situação, segundo ele, é fruto da falta de treinamento em técnicas de desescalada de conflitos. “O que a gente viu ali é o oposto, é o policial escalando o conflito na medida em que começa a agredir e desrespeitar as pessoas”, aponta.
Para o pesquisador do LEGS, é preciso aliar treinamento para gerenciar conflitos com o uso de câmeras corporais. Entretanto, Lopes reforça que além de auxiliar na prevenção de abusos de poder, as câmeras também são uma forma de proteger os policiais que sofrem violência no atendimento de ocorrências. Os casos perturbação da ordem são ainda mais delicados por envolver, na maioria das vezes, um número maior de pessoas do que de efetivo policial, além de uma possível ingestão de álcool ou drogas.
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