No primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os homicídios seguiram em queda no pais, mas as mortes causadas pelas polícias continuaram estacionadas acima dos 6.000 óbitos, e os registros de estupro bateram novo recorde.
Além disso, o estelionato ganhou mais espaço entre as atividades criminosas, que registraram menos roubos pelo país. A queda de mortes violentas no Brasil deu uma ligeira acelerada em 2023 na comparação com o período anterior, caindo 3,4% na comparação com o ano anterior, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado nesta quinta-feira (18).
Mas se o Brasil quiser avançar na redução da violência, vai precisar coordenar melhor as investigações criminais e as trocas de informações, dizem especialistas ouvidos pela reportagem.
Na contramão da tendência nacional, houve alta nas mortes violentas intencionais em Amapá (39,8%), Mato Grosso (8,1%), Pernambuco (6,2%), Mato Grosso do Sul (6,2%), Minas Gerais (3,7%) e Alagoas (1,4%).
O indicador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que organiza o anuário, soma vítimas de homicídios dolosos, latrocínios, lesão corporal seguida de morte e mortes por intervenção de agentes policiais.
Os mortos por agentes de segurança foram 6.393, redução de 0,9% ante 2022. Mas o número praticamente triplicou na década seguinte a 2013, ano com 2.212 óbitos registrados, indicando que o país pode ter dificuldades de reduzir a letalidade de suas polícias.
A violência contra mulheres, por sua vez, piorou em todos os indicadores na edição de 2023 do anuário. Os registros de estupro cresceram 6,5% na comparação com 2022, e chegaram a 83.988 casos. Também tiveram aumentos a importunação sexual (48%), com 41.371 registros, os casos de pornografia infantil, com 2.790 ocorrências em 2023.
Já os assassinatos de pessoas LGBTQIA+ tiveram aumento de 42% no ano passado ante 2022, com 214 casos, embora muitos estados, incluindo São Paulo, não tenham informado os dados.
Crimes de injúria racial e racismo também cresceram em 2023, com altas, respectivamente, de 13,5% (13.897 casos) e 127% (11.610 casos) nos registros. O aumento, no entanto, pode estar ligado a uma maior conscientização sobre o tema na sociedade.
Os estelionatos foram líderes absolutos em crimes patrimoniais, com mais de 2 milhões de casos em 2023, em alta de 8,2% na comparação com o ano anterior. Apenas Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Piauí e Paraíba não tiveram o crime como o mais registrado em boletins de ocorrência.
Já os roubos registraram queda em diferentes modalidades, como a comércios (-18,8%), a residências (-17,3%), a pedestres (-13,8%), de cargas (-13,2%), de veículos (-12,4%) e de celulares (-10,1%).
Mas se os roubos de celular caíram, os furtos bateram recorde no país e chegaram a 494,3 mil casos, com uma alta de 0,7% em relação a 2022.
Embora a segurança pública seja atribuição estadual, especialistas ouvidos pela Folha afirmam que o governo Lula (PT), que tem feito esforços para colocar de pé o Susp (Sistema Único de Segurança Pública) e seu plano nacional, precisa se encaixar no papel de coordenar esses assuntos.
Para Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a discussão que precisa ser feita trata, em resumo, de investigação.
"Só a investigação reduz a impunidade, responsabiliza as pessoas e pune criminosos, sejam os da rua, os que estão na frente de um computador ou os que cometem violência doméstica e sexual."
Lima defende que tanto o governo federal quanto os estaduais sejam cobrados para que a cooperação mútua -prevista no Susp- facilite a troca de informações e dê algum padrão a registros criminais e procedimentos como o compartilhamento de dados entre agências federais como Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) com as polícias estaduais.
E o meio para que o Susp possa de vez sair do papel, segundo Lima, é a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Segurança do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.
Já Luís Flávio Sapori, especialista em segurança da PUC Minas, aponta que o governo não precisa aprovar uma PEC para colocar o Susp em prática. "É muito bem-vinda a ideia, mas antes disso o governo pode fazer mais do que tem feito nessa concertação nacional, dividindo atribuições entre União, estados e municípios."
Um acerto do governo atual, diz ele, foi a revisão em decretos de armas do governo Jair Bolsonaro (PL), principal marca bolsonarista na segurança. "Desarmou essa bomba da flexibilização excessiva, que trouxe uma enxurrada de arma de fogo para a sociedade."
Segundo os dados do anuário, a Polícia Federal deve ficar responsável por fiscalizar um total de 4,8 milhões de armas a partir de 2025. Com alta de 34% em 2023, as armas de fogo com registro ativo na PF passaram de 2 milhões. Ainda entram na conta 1,7 milhão de armamentos com registros vencidos no Sinarm (Sistema Nacional de Armas) e 963 mil equipamentos dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores).
Para ele, o Susp deve funcionar como os sistemas únicos de Saúde e de Assistência Social. "O sistema funciona com um acordo, é voluntário para estados e municípios. Governador que não quiser adotar, fica de fora."