Recorde de temperaturas, ondas de calor cada vez mais frequentes e acidificação acelerada: o mais recente relatório da OMM (Organização Meteorológica Mundial) confirmou uma série de indicadores negativos para os oceanos.
Leia mais:
Dólar tem forte alta e Bolsa despenca após vitória de Trump nas eleições dos EUA
Trump ganhou, e agora? Veja os próximos passos até republicano assumir a Presidência dos EUA
Com apenas um fornecedor, vacina da dengue será desafio para o mundo, diz aliança internacional
O que esperar de Kamala Harris como presidente dos EUA em diferentes áreas
As águas, que cobrem mais de 70% da superfície da Terra, têm um papel importante na regulação do clima. A maior parte da energia acumulada no sistema atmosférico vai para os oceanos, que foram fundamentais para que as temperaturas globais não se elevassem ainda mais nas últimas décadas.
Os dados mais recentes evidenciam, contudo, uma rápida degradação das condições dos mares. Ano mais quente da história da humanidade, 2023 ficou marcado também por um aumento sem precedentes das ondas de calor marinhas, que chegaram a uma cobertura média diária de 32% dos oceanos. No recorde anterior, em 2016, as cifras eram de 23%.
A situação mereceu um alerta especial da OMM, que é vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas). "A escala de tempo dos oceanos não é tão rápida quanto a da atmosfera. Mas, uma vez que a mudança está estabelecida, eu diria que é quase irreversível", avaliou a secretária-geral da entidade, Celeste Saulo.
"A tendência é realmente muito preocupante. E isso se deve às características da água, que retêm o calor por mais tempo do que a atmosfera. É por isso que estamos prestando cada vez mais atenção ao que está acontecendo nos oceanos."
As ondas de calor marinhas têm grande influência também no processo de branqueamento de corais, ecossistemas essenciais para o equilíbrio da vida marinha. Nos últimos meses, diversas instituições, incluindo a Noaa (agência atmosférica e oceânica americana) emitiram alertas para o risco de episódios de grandes proporções.
Nesse processo, desencadeado pelo estresse térmico, os corais expulsam as algas que vivem em seus tecidos, ficando assim mais vulneráveis a diversos problemas, incluindo a falta de nutrientes e a doenças.
"Temos o risco de uma uma espécie de desertificação [da vida] dos oceanos quando esse branqueamento de corais se expande muito amplamente", disse o chefe de monitoramento climático da OMM, Omar Baddour.
Os níveis recordes de acidificação dos oceanos, resultado da absorção dos níveis sem precedentes de dióxido de carbono, contribuem para deteriorar ainda mais os ecossistemas marinhos.
Diante desse cenário, cientistas de todo o mundo têm elevado os alertas para reforçar a proteção dos oceanos.
Em 2023, após mais de uma década de negociações, a comunidade internacional concordou com um tratado no âmbito da ONU para a preservação do chamado "alto-mar", as águas que se estendem para além do limite de 370 km da costa das atuais jurisdições nacionais.
Até agora, os compromissos internacionais de preservação se enquadravam nas águas nacionais. Ainda que o alto-mar tenha sido de certa forma mais preservado historicamente, a situação se alterou nas últimas décadas.
O aumento da regulação nos mares mais próximos, combinado à crescente exaustão de recursos naturais nessas regiões, tem expandido rapidamente as "fronteiras" marítimas. Além dos danos trazidos pelas mudanças climáticas, as águas mais afastadas tornaram-se frequentemente exploradas por atividades intensivas que se aproveitam das lacunas legais.
No tratado, os países assumem o compromisso com a preservação de pelo menos 30% dos oceanos até 2030. Atualmente, apenas cerca de 3% dos oceanos do globo estão sob proteção total ou muito elevada.
Apesar de ter sido classificado como histórico por ambientalistas, o acordo só entra em vigor quando pelo menos 60 países o tiverem ratificado. Até agora, apenas Palau, um Estado insular do Pacífico, e o Chile cumpriram esse requisito.
"O tratado foi um avanço muito grande na perspectiva da governança global do oceanos. Estamos fechando uma lacuna importante, porém, ainda é necessário que os países se comprometam e ratifiquem o documento no seu cenário doméstico", destaca Leandra Gonçalves, doutora em relações internacionais e professora do Instituto do Mar da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
"O Brasil, por exemplo, ainda não ratificou", completou a bióloga.
A necessidade dos processos de ratificação foi um dos temas debatidos na Cúpula Mundial dos Oceanos, realizada em março em Lisboa. Diretor científico e administrador da Fundação Ocean Azul, Emanuel Gonçalves destacou a importância da proteção dos ecossistemas marinhos.
"Nós levamos 300 anos para proteger 3% dos oceanos da pesca extrativa. Se fizermos agora a mesma coisa, vamos levar mais 300 anos. Temos de fazer diferente. Precisamos acelerar os processos e garantir a proteção baseada na melhor evidência científica", diz o pesquisador.
A falta de financiamento para medidas de preservação tem sido historicamente um dos principais entraves ao estabelecimento das zonas protegidas. Além de cobrar mais recursos para a implementação das áreas de proteção, Gonçalves diz que os oceanos merecem mais espaço na agenda internacional.
"A relação entre o oceano e o clima tem sido algo negligenciada no âmbito das convenções das alterações climáticas [as COPs]", avaliou.
Para Leandra Gonçalves, embora o tema venha ganhando espaço desde a Rio+20, realizada em 2012, ainda é preciso garantir que as discussões se transformem em medidas concretas.
"Os oceanos estão ocupando um espaço maior na agenda internacional, e isso tem se refletido na agenda doméstica dos países, em especial daqueles que têm grandes zonas costeiras. Mas ainda está muito tímida a prática desses países para as questões das mudanças climáticas, da conservação da biodiversidade e da poluição", enumerou. "Precisamos aproximar o discurso da prática."