A palestra "Racismo antiamarelo: resgate do contexto histórico e atualidade", ocorrida na noite desta quarta-feira (29) na UEL (Universidade Estadual de Londrina), foi invadida por diversas pessoas, que proferiram ataques racistas e constrangeram as palestrantes Bruna Tukamoto e Karina Kikuti. De acordo com elas, a parte on-line do evento foi prejudicada pela invasão, acarretando no encerramento precoce da reunião virtual.
Tukamoto, que é jornalista e criadora de conteúdo sobre a cultura nipo-brasileira, era a apresentadora da palestra presencial e a responsável por mediar as falas da psicóloga Kikuti, que, por não ser de Londrina, participava via Google Meet, uma plataforma de chamadas em grupo on-line.
"Eu faço um trabalho de conscientização sobre pautas raciais amarelas há bastante tempo. Sempre foi um desejo muito grande participar de eventos na UEL, principalmente por ser uma área acadêmica e ter bastante abertura para essas pautas sobre diversidade", explica a jornalista, em entrevista ao Portal Bonde nesta quinta-feira (30).
A confusão começou ainda nos primeiros minutos. Kikuti, que estava na mesma sala on-line que os invasores, relata que o "teor maldoso" dos comentários foi escalonando com o avanço da palestra. Cerca de 20 pessoas assistiam o evento presencialmente na UEL e outras 50 de maneira virtual.
"Eles estavam finalizando alguns ajustes no presencial e eu estava na sala on-line aguardando. Uma das pessoas abriu o microfone e perguntou se alguém sabia se a palestra era só para descendentes [de japoneses]. [...] Aí, alguém falou para tirar a pessoa [que fez a pergunta]. Outras pessoas abriram o microfone e falaram: 'Para que tirar se ela só fez uma pergunta?'. Estavam promovendo o caos. Começaram a brigar de mentira entre eles", relembra a psicóloga.
Os comentários, antes disfarçados de dúvidas, tornaram-se cada vez mais agressivos. Para Kikuti as palavras foram premeditadas para tocar em pontos sensíveis aos presentes.
"Eles abriram o microfone e falaram coisas de teor sexual. O primeiro começou escrevendo no chat que me achou muito linda, coisa que não cabe no ambiente da palestra. Depois, essa pessoa falou que tinha que sair porque precisava pegar o cabo de vassoura para 'enfiar no c*'. Outra pessoa também falou que tinha que sair porque 'acabou de entrar um rato na b* da minha esposa'. As falas, supostamente aleatórias, foram muito bem escolhidas nesse sentido", destaca a palestrante, que diz ter relacionado os ataques às práticas comuns de tortura da ditadura militar.
Tukamoto, então, avisada por Kikuti sobre os ataques foi em direção ao computador para excluir os invasores, momento que ouviu uma frase racista de um deles. "Estava desesperada tentando banir o pessoal e escutei alguém falando para a Karina abrir o olho. [...] O pessoal que estava presencialmente ficou preocupado e tentou ajudar. Não sei como eu consegui me manter conversando, mas acho que foi realmente pelo contato que eu tive antes da palestra", reflete Tukamoto, que terminou a palestra sozinha para os que estavam presentes na UEL.
A frase "abre o olho", comumente direcionada às pessoas de origem asiática, é considerada racista por estudiosos do assunto.
Prática viralizada no TikTok
O que Tukamoto e Kikuti não sabiam é que invasões como essa sofrida por elas são muito comuns no TikTok. Na rede social, vídeos com pessoas proferindo xingamentos em TCCs (Trabalhos de Conclusão de Curso), apresentações de mestrado e até entrevistas de emprego são virais e alcançam cada vez mais séquitos.
"Eu nunca ouvi falar, e olha que eu produzo conteúdo para o TikTok também. É triste, mas eu não me surpreendo. A situação foi bem caótica. Eles estavam querendo boicotar a palestra, estavam como uma estratégia muita clara e arquitetada para isso. Foi muito chocante", relembra Tukamoto.
A frustração foi imensa, garantem elas, já que o evento estava programado desde o início do ano. Por outro lado, explica Tukamoto, o episódio serve para que a sociedade fique atenta ao racismo contra a população nipônica.
"O sentimento é de que fomos silenciadas. O racismo contra amarelos é real. Nós não temos a visibilidade de outras minorias raciais. Essas palestras também caminham para que a gente possa trazer esse tema para quem, às vezes, vai ouvir pela primeira vez. [...] É um fortalecimento da nossa comunidade."
Kikuti, entretanto, pontua que a situação a marcou negativamente. "Eu fui muito desrespeitada. Todos foram desrespeitados nesse sentido. Para mim, não consigo nem sentir raiva ainda, eu me sinto muito machucada. Eu sinto que isso não é humano", desabafa, emocionada.
Tukamoto e Kikuti ressaltam que vão analisar o que pode se feito juridicamente, já que as práticas - além do constrangimento momentâneo - são acompanhadas de exposições no TikTok.
Nota de repúdio
Ainda na manhã desta quinta-feira, o CASM (Centro Acadêmico Sete de Março - do curso de Direito da UEL) publicou uma nota de repúdio sobre os crimes praticados na palestra.
"O CASM se solidariza com o NECJ e com as palestrantes Bruna e Karina e repudia toda e qualquer forma de intolerância. [...] Hoje, mais do que nunca, é um dia para refletirmos e combatermos a discriminação."
A reportagem procurou o NECJ (Núcleo de Estudos de Cultura Japonesa) e a assessoria de imprensa da UEL para falarem sobre o ocorrido, mas foi informada que uma nota oficial deve ser publicada nesta sexta-feira (31).