A tradicional melhor época do ano para o varejo brasileiro não é animadora. Existe uma certa expectativa que o movimento no Natal seja ligeiramente melhor - ou menos pior - do que o desempenho decepcionante da Black Friday.
De um lado, o consumidor está em um alto nível de endividamento. De outro, os varejistas também estão endividados, arrastando uma alta despesa financeira por conta da taxa de juros em dois dígitos e não querem "queimar caixa", ou gastar mais para vender.
As vendas em torno da última sexta-feira de novembro (24) registraram queda de 15% no faturamento e de 18% no número de pedidos em relação ao ano passado, considerando o principal canal de promoções da data, o online, de acordo com números da Neotrust, empresa de análise de dados com foco no comércio digital. O tíquete-médio teve ligeira alta de 2%.
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Foi um balde de água fria para quem esperava aumentar as vendas em 13% na Black Friday deste ano, conforme projeção da Neotrust, depois do desempenho decepcionante da data em 2022 -na época, a Copa do Mundo do Catar, iniciada em novembro, foi apontada como a vilã que bagunçou as vendas no varejo.
"Diante do contexto macroeconômico mais restritivo e do retorno dos consumidores às lojas físicas, não podemos antecipar grandes resultados nas vendas online para o Natal", afirmou à reportagem o diretor de ecommerce da NielsenIQ|Ebit, Marcelo Osanai, referindo-se ao consumidor endividado e às altas taxas de juros.
"Embora as perspectivas sejam cautelosas, a natureza especial da data, de presentear, pode gerar dinâmicas distintas de consumo."
A consultoria ainda não divulgou o balanço de vendas da Black Friday. Apenas no sábado (25) seguinte à data, a NielsenIQ|Ebit informou que, segundo dados preliminares, foi apurada queda de dois dígitos nas vendas online, puxada pelo desempenho negativo das categorias de telefonia, eletrodomésticos e informática.
Alimentos e bebidas (com destaque para alcoólicas), moda e acessórios e perfumaria e apresentaram desempenho melhor.
'MODESTO' E 'MODERADO'
De acordo com Osanai, os descontos da Black Friday "mais modestos" parecem ter afastado parte do interesse do público nas compras.
"O varejo não esperava nada de extraordinário, mas este é o segundo ano consecutivo com um desempenho bastante modesto", diz o consultor Eugênio Foganholo, da Mixxer. "O consumidor está menos energizado pela data, que não apresentou ofertas, grandes oportunidades de compra."
Um dos principais atrativos da Black Friday sempre foi a venda de celulares, diz Foganholo. "Mas a venda de smartphones hoje é bem menor do que há cinco anos", afirma.
Conforme reportagem da Folha de S.Paulo, as vendas da categoria caíram de 46 milhões de unidades em 2020 para 41 milhões no ano passado, segundo o IDC, que espera um novo recuo neste ano. Os consumidores vêm passando mais tempo com o mesmo aparelho.
"Os dois maiores players de eletroeletrônicos, Casas Bahia e Magalu, foram muito mais acanhados neste ano do que em edições anteriores da Black Friday, estão preocupados em gerar margem de ganhos", diz Foganholo. "Isso acabou beneficiando redes regionais de eletromóveis, como a mineira Zema e a baiana Guaibim, que apresentaram condições mais atraentes para o seu público", afirma.
Para este Natal, Foganholo acredita que os varejistas vão "andar de lado". "Será um desempenho moderado."
A expressão é a mesma usada pelo consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail. "Pelo termômetro da Black Friday, teremos um crescimento moderado, comedido no Natal", afirma, lembrando que a categoria de bens duráveis é a que mais sofre por causa dos altos juros, uma vez que depende de crédito.
"O varejo só vai crescer com a queda consistente dos juros", diz Serrentino. Segundo ele, todos os elementos ligados à renda e à capacidade de consumo estão avançando: emprego, massa salarial, confiança do consumidor.
"Mas o varejo não decola porque o nível de juro real é muito alto, asfixia as empresas ao gerar uma grande despesa financeira. Por mais que as varejistas vendam, o resultado é devorado pela despesa financeira, que reduz o lucro ou gera prejuízo."
Com isso, o que se vê são varejistas tendo uma "vida de austeridade", segundo o consultor, tanto no crédito quanto nos investimentos, nas despesas e na expansão. "Há muito pragmatismo hoje na alocação de recursos", afirma.
O cenário não deve mudar muito no primeiro semestre de 2024, devido à Selic ainda alta. "À medida que a curva de juros cai, alivia o caixa do varejo, o resultado aparece e a capacidade de investimentos volta, o que pode destravar o consumo."
Serrentino destaca que o varejo está muito mais cauteloso neste ano, ao focar em "vendas saudáveis", com margem e resultado, sem "queimar caixa", comercializando a qualquer custo. "A indústria também não quer bancar isso", diz.
Na opinião do consultor, porém, a última Black Friday "não foi ruim". "Não foi eufórica, mas não era essa a expectativa", afirma Serrentino, destacando o crescimento de marketplaces como Mercado Livre e Amazon.
"Teve um crescimento maior no online do que no offline, e ninguém apresentou descontos agressivos, justamente porque ninguém queimou caixa."
PIX CRESCE
De acordo com o levantamento da Neotrust, mais consumidores usaram o cartão de crédito (alta de 4,8 ponto percentual, para 56,2% das compras) e o Pix (alta de 10,7 ponto percentual, para 30,7% de participação) durante a Black Friday.
O uso de boletos ficou praticamente estável (em 8,1%), enquanto houve queda em cartão de débito, transferências e carteira digital (de 21,2% em 2022 para 5,1% em 2023).
O marketplace Shopee apontou o Pix como a opção mais usada pelos consumidores durante a Black Friday, representando 48% das vendas totais, frente a 41% no ano passado.