Seu bolso

Comerciantes são "reféns" de operadoras de cartão

07 jun 2010 às 09:23

O fim da exclusividade de uma ''maquininha'' para cada operadora de cartão de crédito, a partir de 1º de julho, está longe de acabar com os problemas que envolvem o setor. Os consumidores arcam com as altas taxas de juros, em torno de 10% ao mês, e os comerciantes penam com as taxas de administração consideradas abusivas - entre 3,5% e 5% por transação, dependendo da operadora.

Apesar das reclamações, a popularidade do dinheiro de plástico é indiscutível: em 2000 havia 29 milhões de cartões de crédito no País e em 2009 já eram 136 milhões, enquanto o valor das transações saltou de R$ 45 bilhões para R$ 256 bilhões no mesmo período, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs).


Por segurança e praticidade, a maioria dos comerciantes e consumidores prefere o cartão. E é justamente aí que está a preocupação. ''É evidente que cada vez mais nós, lojistas, tentamos nos proteger (dos calotes) utilizando o cartão. E é claro que as taxas (de administração) são embutidas, o que faz encarecer os produtos para o consumidor final. Por isso, (essa situação) é uma grita geral'', afirma o vice-presidente da Associação Comercial do Paraná, Camilo Turmina, lojista do setor de joias em Curitiba.


Ele considera que o fim da exclusividade entre credenciadores e bandeiras já traz benefícios, pois vai reduzir custos. Na prática, a partir de 1º de julho, os lojistas poderão ter uma só maquininha para passar cartões de diversas bandeiras. Até então, a VisaNet, por exemplo, só passava os cartões da Visa, enquanto a Redecard, da Mastercard. ''Hoje, eu trabalho com quatro bandeiras e pago R$ 240 de anuidade por quatro máquinas. É um absurdo'', diz Turmina. Além da unificação da máquina, ele acha que as administradoras não deveriam cobrar anuidade.


Discussão nacional


O fim da exclusidade das máquinas é o primeiro passo do relatório feito pelo Banco Central em parceria com os ministérios da Fazenda e da Justiça. O documento traz sugestões para futuras regulações desse mercado. Uma das propostas é a criação de uma entidade neutra funcionando como câmara de compensação do setor. Neste sentido, os lojistas esperam mudanças urgentes em relação às taxas de administração.


''Nós (comerciantes) chegamos a pagar até 5% sobre o valor de cada venda no crédito. No débito, chega a 2%. São valores abominável em relação à inflação baixa que temos hoje'', aponta Turmina. Ele não acha certo a cobrança em percentual e propõe um valor fixo - e baixo.


Outra reclamção do vice-presidente da ACP é quanto à diferenciação das taxas por setor do varejo. ''Enquanto os postos de gasolina pagam 2,5% por transação, o setor de joias paga 4,5%. Isso não tem justificativa levando em conta que o usuário do cartão é o mesmo'', pondera. Ele não considera ''ético'' cobrar preços diferentes para pagamento em dinheiro e com cartão, como os órgãos de defesa do consumidor têm alertado. Mas, acha que o consumidor também deve entrar na briga contra a indústria dos cartões.


''Quanto mais a população estiver alerta, mais fácil será. Os consumidores precisam ter interesse em saber quanto custa cada produto e quanto eles pagam a mais por conta das altas taxas das administradoras de cartões'', convoca Turmina.


Procurada pela FOLHA, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) não atendeu ao pedido de entrevista. A assessoria de imprensa da entidade informou que, no momento, o órgão não iria se pronunciar sobre os problemas apontados no setor.


Para lojistas, cartão é 'mal necessário'


Um mal necessário. A definição foi unânime entre os comerciantes ouvidos pela FOLHA nessa semana sobre a utilização do cartão de crédito. A maioria tem no dinheiro de plástico a principal ferramenta de negociação com o cliente. ''Todo mundo hoje quer prazo e parcelamento. No cheque, o risco de calote é grande e no crediário da loja também, sem falar no tempo que você gasta para fazer a ficha de um cliente. Apesar das taxas, o cartão ainda é a melhor forma de receber em dia'', resume Otávio Almeida Zanin, comerciante do setor de calçados em Arapongas. Ele trabalha com duas bandeiras de cartão, crediário e cheques, mas se pudesse ficaria só com o dinheiro de plástico.


Para a comerciante Viviane Recco, fabricante e lojista de confecção em Arapongas e Londrina, o cartão é sinônimo de garantia de recebimento. ''Se você pega um cheque sem fundo acaba tendo prejuízo. No cartão, temos que arcar com as altas taxas, mas não corre o risco de não receber'', compara a empresária. Ela tem uma pequena clientela que ainda paga com cheque - sob consulta prévia -, mas considera que essa forma de pagamento tinha de ser abolida.


Segundo Juan Escobar, empresário de Londrina, o cartão de crédito ''é um problema e ao mesmo tempo uma solução'' no mundo do comércio. Ele considera ''absurdas'' as taxas cobradas pelas administradoras, levando em conta a baixa qualidade do serviço prestado. ''Eu solicitei a instalação de uma máquina, esperei 15 dias e eles não vieram. Perdi negócios por isso. Outro problema é quando o sistema falha justamente em horários de pico, quando você pode vender mais. Quem nos paga por isso?'', questiona. Apesar dos problemas, Escobar não pensa em abandonar o cartão.


Consumidor


Recentemente, em meio às discussões sobre a regulamentação dos cartões de crédito no país, o Banco Central (BC) divulgou relatório defendendo a diferenciação de preço em pagamento à vista com dinheiro ou cartão de crédito. Para o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), porém, cobrar a mais de quem paga com cartão fere o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor. ''Implica desvantagem onerosa e excessiva ao cliente, afinal, a administradora já cobra uma taxa para o consumidor utilizar o cartão'', informou o Idec, por meio da assessoria de imprensa.

A nota da assessoria do instituto ainda diz que ''possibilitar pagamento com cartão é uma opção do comerciante e não deixa de ser uma estratégia para atrair mais clientes. Portanto, os custos com aluguel da máquina e taxas de administração são inerentes à atividade''. O Idec considera que ''o consumidor já paga anuidade e juros quando entra no crédito rotativo, não tendo motivo para pagar mais para usar o cartão''.


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