SÃO PAULO, SP - Na lista dos principais produtos brasileiros
exportados para os Estados Unidos, há um seleto grupo de commodities
agropecuárias que vêm registrando um avanço de preços no mercado interno: café,
carnes e suco de laranja. De acordo com
o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nos últimos 12 meses
encerrados em junho, na variação medida pelo IPCA, o café moído registrou uma
inflação de 77,88%, enquanto o preço das carnes (boi, porco e carneiro) subiu
23,63%. Em suco de frutas, a alta foi menor (7,95%).
A dúvida que fica para o consumidor brasileiro é: se vai ser
difícil vender esses produtos nos Estados Unidos a partir de 1º de agosto, por
conta da sobretaxa de 50% anunciada pelo governo do presidente Donald Trump ao
Brasil, será que os fabricantes vão escoar o excedente para o mercado interno?
E isso pode tornar os preços mais baixos para quem paga pelo produto em reais?
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Segundo economistas ouvidos pela reportagem, esta seria a
lógica no curto prazo: se o comprador estrangeiro falhou, o produtor
redireciona o estoque para o mercado interno, onde ele tem mais facilidade de
escoar a produção. Com mais de 211 milhões de habitantes, com uma taxa de
desemprego de 6,2% e inflação a 5,35% nos últimos 12 meses, o Brasil é um
mercado que importa ser explorado. Com isso, o aumento da oferta poderia puxar
os preços para baixo. Mas cada um desses setores da economia tem dinâmicas
diferentes, e as contas não são tão simples.
Safra recorde
O preço do café, que está nas alturas e já apresentou a
maior inflação em toda a história do Plano Real, pode cair nos próximos meses, segundo
a Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café). Mas não como efeito do
tarifaço de Trump.
"A safra do ano que vem é contratada para ser uma safra
recorde, o que será suficiente para recompor os estoques nos países produtores
e consumidores", diz Pavel Cardoso, presidente da Abic. "Os
brasileiros vão encontrar menores preços nas prateleiras a partir de outubro e
novembro, mas não por conta do motivo relacionado aos Estados Unidos",
afirma.
De acordo com o executivo, o café subiu de preço nos últimos
anos devido a uma conjuntura envolvendo questões climáticas, o que gerou quatro
anos seguidos de descasamento entre oferta e demanda global. "A procura
pelo produto cresceu, enquanto as safras foram menores do que era
esperado", diz. Fora isso, houve a especulação por parte de fundos de
investimentos que apenas operam contratos, não a matéria prima, afirma.
Cardoso reforça que o Brasil é o maior produtor de café do
mundo e exporta cerca de 65% do que produz. Os Estados Unidos representam 16%
das exportações, são os maiores compradores. "Não tem plantação de café
nos EUA", diz. Em bloco, porém, a Europa é a maior compradora do café
brasileiro, respondendo por cerca de 53% das exportações.
Do chá ao café
De acordo com o executivo, a ligação dos americanos com o
café remonta a quase 300 anos. Em 16 de dezembro de 1773, no episódio que ficou
conhecido como "Boston Tea Party" (Festa do Chá de Boston), colonos
americanos invadiram navios britânicos e lançaram ao mar centenas de caixas de
chá em protesto contra os impostos sobre o produto. "Ironicamente, mais
uma vez a sobretaxa pode mudar os rumos do consumo americano", diz.
Isso porque, desde o episódio, os EUA passaram a dar
preferência ao café e o Brasil se tornou o seu principal fornecedor. "O
consumo americano ao ano é de 4,9 kg por habitante per capita", diz. No
Brasil, a proporção é maior, da ordem de 6,26 kg per capita. Mas os líderes em
consumo individual são os países nórdicos, como Finlândia e Noruega, com médias
entre 12 e 13 kg per capita ao ano, diz.
Cardoso reforça ser fundamental acionar a diplomacia dos
dois países na tentativa de evitar a sobretaxa. Mas caso ela se torne
inevitável, o excedente da produção já tem destino certo: Ásia. "A China
tem grandes redes de cafeteria e o mercado asiático tem tração para ocupar o
espaço deixado pelos Estados Unidos", diz. O Brasil, por sua vez, já é um
mercado maduro: 98% dos lares consomem a bebida, afirma.
Carne
O mercado de carnes também não depende dos Estados Unidos,
segundo a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) e
a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal). Do total da produção de
carne bovina, cerca de 30% é exportada. Em suínos, 25% do volume é vendido fora
do país. O mercado externo é muito relevante para aves (65% da produção), mas
os americanos não compram frango brasileiro, uma vez que são grandes produtores
e concorrem com o país no mercado internacional.
Os Estados Unidos são o destino de 12% das exportações de
carne vermelha, bem atrás da China (44%). "O primeiro grande mercado para
o Brasil é o próprio país, que consome 70% da produção", diz Roberto
Perosa, presidente da Abiec. Segundo ele, o país exporta cortes que o
brasileiro não consome com frequência, como partes dianteiras do boi e miúdos.
"Os miúdos vão para a Ásia, onde são usados em
ensopados e preparações típicas. Já o dianteiro vai para os Estados Unidos,
usado na produção de hambúrgueres", diz. Segundo ele, 68% da carne bovina
consumida nos Estados Unidos é em forma de hambúrguer.
"O mercado brasileiro não teria capacidade de absorver
todo o volume de dianteiros e miúdos produzidos. Vislumbramos a produção do
excedente americano para outros países, reforçando as parcerias
existentes", diz. "Os EUA demandam muito do nosso produto, mais de
20% da carne consumida no país é importada do Brasil. Eles serão os maiores
prejudicados, porque temos preço, entrega e qualidade."
De acordo com a ABPA, em carne suína, os Estados Unidos
estão em 12º lugar entre os compradores estrangeiros. Os americanos são os
principais compradores de ovos do Brasil, mas o volume exportado é muito
restrito: menos de 1% da produção nacional vai para fora do país.
Suco de laranja
Já o setor de sucos cítricos, especialmente o de laranja,
tem motivos para se preocupar com o tarifaço. Cerca de 95% da produção é
exportada. Os Estados Unidos são o maior mercado individual, respondendo por
42% das exportações do Brasil. A Europa é o destino de 52% das exportações, com
destaque para Alemanha, França e Reino Unido
"Se a sobretaxa for adotada, o imposto vai responder
por 70% do valor da tonelada: serão US$ 2.500 de US$ 3.500 negociados. Ou seja,
vão sobrar US$ 1.000 para remunerar toda a cadeia de produção, o que torna
inviável a venda para os EUA", diz Ibiapaba Netto, diretor-executivo da
CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos).
Segundo ele, a Europa não tem condições de absorver todo o
volume exportado para os EUA. Embora mercados asiáticos venham crescendo, em
especial China e Coreia do Sul, não são suficientes para comprar o excedente
americano. "A Índia tem grande potencial, por conta da classe média
gigantesca, mas as negociações levam tempo", diz.
Indústria organizada para exportar
Não há possibilidade de o Brasil arcar com o excedente americano.
"A indústria cítrica foi organizada para exportação e demanda capital
intensivo ", diz. "O produto viaja a granel, de navio-tanque, o
envase é feito localmente. Não dá para reverter a produção ao mercado interno,
pois isso demandaria um trabalho de envase, marketing, distribuição. E como um
país tropical, a população está acostumada a consumir sucos naturais",
afirma.
Para André Braz, economista do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a chacoalhada promovida pelo tarifaço de Trump é uma oportunidade de o Brasil olhar para frente e estabelecer novas parcerias comerciais o mais rápido possível.
O economista André Perfeito, sócio da consultoria APCE,
concorda. "O mundo vai precisar achar uma saída para o Trump", diz.
"O encontro dos Brics [grupo formado por Brasil, China, Índia e Rússia,
entre outros países] o deixou irritado, porque ele teme que o dólar perca
relevância no cenário internacional", diz. Mas menos vendas aos Estados
Unidos significam menos dólares circulando no Brasil, o que pode elevar o
câmbio.
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