O governo Lula anunciou nesta segunda-feira (5) a MP (Medida Provisória) Desenrola, que tem como objetivo limpar o nome de até 70 milhões de brasileiros, de acordo com as estimativas do Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad (PT). Na proposta, o governo irá subsidiar os débitos dos devedores, negociando a maior porcentagem de desconto possível com os credores. A reportagem conversou acerca da MP com economistas para saber até que ponto o projeto é eficaz.
A medida, que tem previsão para funcionar a partir de julho, vai abranger a população de baixa-renda, que tenha provento familiar de até dois salários mínimos, cerca de R$ 2,6 mil. Para participar, os devedores devem ter o total de dívidas de até R$ 5 mil, sendo elas bancárias ou não. Entretanto, valem os valores acumulados até 31 de dezembro de 2022.
Segundo o texto publicado, o Desenrola usará recursos do FGO (Fundo Garantidor de Operações), que, segundo o ministro da pasta, não está sendo utilizado desde a pandemia de covid-19. A estimativa é de que R$ 50 bilhões em dívidas sejam renegociadas. Ainda há a possibilidade de pagar os débitos em até 60 vezes, com taxa de juros a 1,99% ao mês.
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Outro ponto que chama a atenção na MP de Lula é que todas as empresas que aceitarem participar do projeto terão que relevar as dívidas de até R$ 100 de todo devedor. Ou seja, se alguma pessoa tiver o "nome sujo" por estar devendo essa quantia, terá a dívida perdoada automaticamente a partir do aceite da empresa. A estimativa do Ministério da Fazenda é de que 1,5 milhão de brasileiros voltem a ter o nome limpo somente com esse trecho da MP.
Três etapas
O Desenrola será dividido em três etapas. A primeira é a publicação da medida, que ocorreu nesta segunda-feira (5). A segunda é a adesão dos credores e a realização dos leilões de crédito, que definirão as empresas que vão participar da ação e os valores que serão renegociados. A terceira etapa será a adesão dos devedores e a renegociação das dívidas na prática.
A previsão é de que todas essas etapas sejam cumpridas até julho deste ano, quando os devedores poderão optar pela participação do projeto por meio de uma plataforma digital.
Educação financeira
O presidente da Abefin (Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira), Reinaldo Domingos, analisa que o projeto é pertinente pelo fato de instigar os brasileiros a quitarem as suas dívidas, mas enxerga uma falha em todo o processo.
"O que me preocupa é que, até o momento, não observei nenhuma ação complementar no programa ‘Desenrola’ que vise levar a educação financeira para esses inadimplentes. Ocorre que, ao não ter um suporte educacional, esse projeto tende a fazer com que os acordos não sejam cumpridos pelos brasileiros ou que novos descontroles ocorram no decorrer do tempo", diz.
A medida do governo, porém, cita a educação financeira. A pasta deixa claro que haverá um incentivo para aqueles que queiram fazer cursos sobre o assunto, mas não explicitou a maneira como isso acontecerá.
'Pouco impacto na economia'
O ecomista e professor da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) Marcos Rambalducci revela que o Desenrola terá "pouco impacto prático na economia". A ação, segundo ele, será melhor aproveitada pelos consumidores que se sentem pressionados por contas em atraso.
"Tem um impacto muito limitado na economia, mesmo porque, caso o impacto fosse significativo, viria em uma péssima hora, na medida que é preciso combater um processo inflacionário. Vejo o programa mais como uma forma de dar resposta a uma promessa de campanha do que propriamente uma medida voltada a reativar a economia", analisa.
Já Sinival Pitaguari, também economista e professor da UEL (Universidade Estadual de Londrina), reflete que a ação pode surpreender até mesmo os que criticam a medida. Citando o premiado no Nobel da Paz de 2011 Muhammad Yunus - que ficou conhecido como o "banqueiro dos pobres" por emprestar dinheiro para endividados de Bangladesh e tirar milhares de pessoas da pobreza -, o professor diz que muitos só precisam de uma oportunidade para colocar a vida econômica nos eixos.
"Ao contrário do esperado por outros banqueiros, o grau de inadimplência [no plano de Yunus] foi bem menor do que os empréstimos para pessoas ricas e empresas em geral. Yunus percebeu que o 'crédito' e a 'palavra de honra' eram bens mais valiosos para os pobres, justamente porque eles não possuíam outra riqueza material com a qual pudessem garantir sua subsistência", pondera.
Na visão de Pitaguari, o Desenrola só é uma "formalização" de uma prática que já é comum para os credores. "O que o 'Desenrola' está fazendo é institucionalizar algo que na prática já ocorre, só que agora usando o FGO para resolver de forma bem mais rápida o problema da inadimplência", explica.
Dívidas de até R$ 100 perdoadas
Sobre os estimados 1,5 milhão de brasileiros que terão as suas dívidas de até R$ 100 perdoadas, Rambalducci é contundente ao afirmar que essas pessoas não farão a economia local girar, mesmo que tenham o nome limpo de volta.
"O grande mérito da proposta é limpar o nome, mas se ele não estava em condições de pagar uma dívida desta importância, não imagino que com o nome limpo realizará alguma solicitação de crédito que seja significativo para o comercio local", prevê.
Pitaguari, porém, vê nesse trecho um ponto positivo. Segundo ele muitas pessoas ficaram inadimplentes por causa da inadimplência de empresas que, para estancar a sangria, fizeram demissões de funcionários. Mas também ressalta que a ação isolada não surtirá efeitos significativos.
"Apesar da medida ser positiva, a dimensão do impacto final dela vai depender de outras medidas que devem ser tomadas para reativar a economia", diz.
Vale a pena para as empresas?
O professor da UTFPR também reflete que os valores que vão ser recuperados com o Desenrola já eram, provavelmente, dados como perdidos pelas empresas, o que torna a medida interessante para elas.
"As empresas que darão descontos significativos são aquelas que tem uma carteira de recebíveis já dada por perdida e qualquer retorno passa a ser positivo. As empresas de prestação de serviços públicos farão a adesão muito mais por uma obrigação do que por disposição em negociar", pondera.
Pitaguari concorda com Rambalducci. Segundo ele, todos têm a ganhar com a renegociação. "Quando um cliente está negativado pela inadimplência em uma empresa, ele fica sem crédito para comprar nas outras. Quando ele é positivado, todas as outras empresas podem disputar esse consumidor recuperado para o mercado. Dinamiza o mercado, todas ganham", afirma.
Juros para quem parcelar
Rambalducci diz que, mesmo que parceladas em até 60 meses, as dívidas terão os juros (1,99% ao mês) "mais sociais" possíveis na atual conjuntura. "Esta taxa de juros é aquela já praticada para aposentados. É uma taxa interessante na medida que 24% ao ano não se obtêm facilmente em outros tipos de financiamento a pessoa física", apresenta.
Já para o professor da UEL, os juros ainda são altos, mas estão dentro da "normalidade" para o Brasil, que historicamente tem os maiores percentuais de juros reais do planeta. Para defender a sua afirmação, ele cita um exemplo.
"Num exemplo hipotético, uma dívida de R$ 1.000, parcelada em 60 prestações, daria uma prestação mensal de R$ 28,70, e um pagamento total de R$ 1.722 reais, sendo R$ 722 de juros", conclui Pitaguari.
*Sob supervisão de Luís Fernando Wiltemburg e Fernanda Circhia