Economia

Argentino corta refeições e se limita a macarrão e ensopado em 1º mês de Milei

17 jan 2024 às 14:18

"Não é preciso um frango para ser feliz", diz a argentina Florencia Rocha, 22, soltando um riso constrangido enquanto apoia as mãos na barriga onde carrega há seis meses seu terceiro filho. Ao notar sobrepeso e pressão alta, a nutricionista lhe recomendou que evitasse o macarrão em quase todas as refeições.


"Eu falei: olha, não é porque eu quero. Eu tenho que comer o almoço e a janta, e se compro verdura não vai sobrar para mais nada", conta ela. "Às vezes eu não como para que as crianças comam, no último mês piorou muito. Antes já estávamos mal, mas se conseguia de um jeito ou de outro. Agora já não."


Todos os preços estão em disparada desde dezembro na Argentina, quando Javier Milei assumiu a Presidência, desvalorizou a moeda local e acabou com os congelamentos impostos pelo último governo peronista de Alberto Fernández. A inflação mensal, que já estava em altíssimos 13% em novembro, dobrou para 26% no mês seguinte.


Isso fez o consumo —que já vinha em queda— despencar no país, incluindo o turismo interno durante as festas de fim de ano e o verão. Um levantamento feito pela Confederação Argentina da Média Empresa (Came) com comércios varejistas mostrou uma diminuição de 14% nas compras no período, com alimentos e bebidas liderando os cortes.


"Meu pai, que também era comerciante, me perguntava: até quanto o cliente 'está disposto' a pagar? Hoje eu me pergunto: até quanto o cliente 'pode' pagar?", afirma Fernando Savore, vice-presidente da Confederação Geral de Armazéns da Argentina e há 40 anos dono de mercearia na região metropolitana de Buenos Aires.


Muitos dos que faziam compras mensais ou semanais passaram a ir ao mercado dia a dia, e cenas de clientes trocando de marca ou deixando produtos no caixa ao ver o preço total do carrinho se multiplicaram. "Eu agora mesmo estou publicando 60 promoções nas redes sociais, senão as pessoas não conseguem comprar", diz ele.


Savore calcula um declínio de 20% nas vendas dos comércios de bairro em dezembro e projeta baixas ainda maiores em janeiro e fevereiro, de até 50% por mês. Também não sabe como as mercearias vão enfrentar março, época de volta às aulas e portanto de gastos extras nas famílias, mas espera uma estabilização em abril.


Milei já havia prenunciado em seu discurso de posse, em 10 de dezembro, que "o início seria duro". Ele declarou que a situação pioraria no curto prazo e que corrigir os rumos da economia argentina exigiria "esforços supremos e sacrifícios dolorosos" da população por cerca de seis meses a um ano.
De fato, esses sacrifícios não demoraram a aparecer.


Florencia conta ter tido um dos piores natais de sua vida: "Não pudemos comprar nada. Antes se comia um assado [churrasco], carne empanada, frango na brasa. Dessa vez no ano novo tivemos que fazer empanada de peito de frango, que também foi caro, e não sobrou nada de dinheiro", afirma ela, cujo marido está desempregado.


Mas não foi a primeira vez em que a família teve que fazer cortes. Desde outubro, ela não compra papel higiênico. Naquela manhã, usou uma folha de caderno e, em outras ocasiões, camisetas cortadas. "Eu não te conto como estamos vivendo porque me dá muita vergonha", comenta ao lado a irmã Agustina Cardoso, 25, que no último mês deixou de comer à noite.


Desde o início do processo eleitoral, em agosto passado, a Argentina tem sofrido uma corrida inflacionária ainda maior do que sofreu em 2022 e na primeira metade de 2023.


Contribuíram para isso uma alta demanda por dólares diante de um candidato que prometia dolarizar a economia —assunto em que agora Milei não toca mais— e também a aceleração da impressão de dinheiro pelo seu rival e então ministro da Economia, Sergio Massa, para cobrir o aumento de programas sociais durante a campanha.


Já faz meses que tomar refrigerante e comer churrasco virou luxo entre as famílias mais pobres. Gabriela Salaverry, 34, cortou a janta a partir de outubro. "Hoje comemos muito ensopado, que é o que mais rende", diz a feirante, que soma uma renda de 150 mil pesos por mês (R$ 680 na cotação paralela) para ela, o marido e cinco filhos.


Em busca de emprego, o pedreiro Ezequiel Lucero, 26, e a esposa Tamara Retamosa, 32, também estão cansados do "guiso" ou "guisado", cozido com os ingredientes doados ao refeitório da igreja. Todos os dias, eles têm acordado cedo para colocar o nome na lista e depois ir buscar as marmitas, que só servem 30 famílias por dia.


Já nas classes média e média alta, a corrida inflacionária se refletiu nas viagens de fim de ano. Destinos como Bariloche, muito visitado por argentinos no verão, e praias como Mar del Plata e Pinamar, a cerca de quatro horas de Buenos Aires por terra, ficaram mais vazios nessa temporada. A ocupação de hotéis se reduziu de 100% a cerca de 80%.


"Claramente há uma queda na demanda, se antes as pessoas iam sete dias, agora vão quatro", relata Gabriela Ferrucci, presidente da Associação de Hotéis de Turismo (AHT). "O combustível também aumentou muito [mais do que dobrou no último mês], e isso certamente impactou na decisão de quem tinha planejado viajar de carro."


Outro turismo que se reduziu foi o de fronteira, ela afirma. A desvalorização do peso promovida por Milei tornou os preços um pouco menos atrativos, e uruguaios que cruzavam o Rio da Prata para comprar até produtos de farmácia, por exemplo, ficaram menos frequentes.


Mesmo com a significativa perda do valor dos salários dos argentinos, o presidente ultraliberal atravessou seu primeiro mês com saldo positivo: 55% ainda aprovam seu governo total ou parcialmente, enquanto 37% o reprovam, segundo pesquisa da consultora de opinião pública CB do início de janeiro.


Metade da população acredita que a responsabilidade pela situação econômica atual é do seu antecessor Fernández e 30%, de seu governo. Outros 13% acham que a culpa é dos dois. "Obviamente estamos assustados e preocupados, mas já estamos assustados e preocupados há um ano e meio", diz o comerciante Savore.


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