O STF (Supremo Tribunal Federal) começou na quinta-feira (23) o julgamento a respeito da validade de regras relativas ao crime de sequestro internacional de crianças. As normas são previstas na Convenção de Haia, ratificada pelo Brasil em 2000.
No Brasil, as regras desta convenção são alvo de questionamentos por permitirem entrega de crianças e adolescentes a pais que viverem no exterior mesmo depois de denúncias de violência doméstica. A situação envolve principalmente mulheres que voltam ao Brasil com os filhos para fugir de episódios de violência e que são acusadas pelos ex-companheiros de sequestro internacional de crianças.
Em 2023, a brasileira Raquel Cantarelli foi alvo de uma operação da Policia Federal após a Justiça Federal do Rio de Janeiro determinar a entrega das duas filhas dela para o ex-marido que mora na Irlanda. Ela veio para o Brasil com a duas, nascidas naquele país, depois de denunciá-lo por cárcere privado e crime sexual contra uma das meninas.
Leia mais:
'Aquilo verdeou e amarelou', diz juiz ao negar ação por 7 de setembro sob Bolsonaro
Brasil está enxugando gelo no bloqueio a bets ilegais, diz presidente da Anatel
Pobreza e violência tiram seis anos de vida dos negros no Brasil
Bolsonaro e aliados se apegam a tese de perseguição contra investigação de golpe
As regras de Haia foram contestadas no STF pelo antigo partido DEM em uma ação protocolada em 2009. Para a legenda, o retorno imediato de crianças ao país de origem, principal regra da convenção, deve respeitar as garantias constitucionais do Brasil do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
A legenda aponta que a Justiça brasileira determina o retorno imediato de crianças após ser acionada por pais ou países signatários da norma internacional sem investigação prévia sobre a condição dos menores e as razões pelas quais elas foram trazidas ao Brasil pelas mães.
A sessão inicial foi dedicada somente às sustentações das partes envolvidas no processo. A data de início da votação ainda será marcada pelo relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso.
Critérios
Nas manifestações, a DPU (Defensoria Pública da União) comentou que a ratificação do tratado trouxe avanços para a proteção internacional de crianças, mas o retorno dos menores não pode ser a qualquer custo.
A defensora Daniela Correa Jacques Brauner propõe que sejam estabelecidos critérios para essa entrega de crianças, como avaliação de situação de violência doméstica, sexual e patrimonial contra a mãe e regras de convívio para evitar o afastamento definitivo dos filhos.
"Em muitos casos, o retorno é feito de forma abrupta, ocorrido na decisão judicial e cumprido sem sequer assegurar a genitora o acompanhamento da criança ao local da residência habitual", pontuou.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu a legalidade do tratado, entretanto, ponderou que a entrega de crianças deve ser analisada em cada situação, avaliando suspeitas de violência doméstica contra a mãe e a vontade da criança acima de 12 anos de querer permanecer no Brasil, por exemplo.
"Do ponto de vista normativo, esse tratado não contém em si nenhum dispositivo que agrida a Constituição. O modo como o tratado está sendo aplicado deverá ser avaliado caso a caso", disse.
Pela AGU (Advocacia-Geral da União), o procurador de assuntos internacionais, Boni de Moraes Soares, defendeu a legalidade do tratado no Brasil e informou que o tempo médio de retorno de menores é de dois anos e quatro meses.
Para Soares, os interesses dos menores são observados pelo órgãos brasileiros que atuam nos processos de devolução e o Brasil deve continuar cooperando com os demais os países.
"Eventuais problemas na aplicação da norma pelo Brasil devem ser resolvidos no âmbito do funcionamento das estruturas administravas e judiciárias competentes", destacou.