O salão paroquial da Igreja Nossa Senhora de Fátima, em Vacaria (RS), tornou-se o centro de uma polêmica após receber, no dia 11 de janeiro, um evento organizado pelo terreiro de umbanda Ogum Megê e Oxum. O espaço havia sido alugado para a comemoração do terceiro aniversário do terreiro, mas imagens divulgadas nas redes sociais mostraram a realização de rituais religiosos durante a celebração, o que causou revolta entre os católicos da cidade. A repercussão gerou críticas dentro da comunidade e levou o pároco, frei Protásio Ferronato, a se manifestar publicamente sobre o caso.
Segundo o frei, em publicação no Instagram da paróquia, o acordo para o aluguel do salão previa que o evento teria caráter apenas social, sem a realização de cerimônias religiosas. Em carta aberta, ele afirmou que a paróquia buscou evitar acusações de intolerância ao permitir o uso do espaço, mas que o combinado não foi respeitado. O documento, assinado também pelo bispo da Diocese de Vacaria, reforça que a igreja não se tornou um terreiro de umbanda, rebatendo críticas recebidas após a divulgação das imagens.
Por outro lado, Pai Rodrigo de Ogum Megê e sua esposa, Marcele, enfatizaram que o espaço foi alugado legalmente, com contrato e pagamento registrados, e que sempre agiram com transparência e respeito. O casal também se manifestou sobre um vídeo publicado no YouTube que criticava a festa de Exu e Pombagira realizada no salão paroquial.
Rodrigo e Marcele falaram sobre as acusações de um youtuber que, segundo eles, distorceu informações, usou imagens e vídeos sem autorização e incitou o ódio nos comentários. O casal também destacou o trabalho social do terreiro e afirmou já ter tomado medidas legais, incluindo um boletim de ocorrência, buscando retratação e a remoção do vídeo.
O vídeo foi publicado por Tiago Bruno de Almeida Prado, dono do canal Católicos de Verdade, que possui mais de 476 mil inscritos no YouTube. Rapidamente, recortes do vídeo foram compartilhados em páginas no Instagram e TikTok, gerando diversos comentários. "O espaço da Igreja precisa ser exorcizado", comentou um homem. Uma mulher escreveu: "Não só a fumaça de Satanás entrou na Igreja, agora entrou o próprio." Outra afirmou: "Dói na alma essa falta de respeito com a Santa Igreja."
Algumas pessoas também chegaram a relacionar as enchentes no Rio Grande do Sul com a presença de religiões de matriz africana. "É por isso que eles sofrem. Não aprenderam ainda com aquela tragédia", escreveu um seguidor da página de Tiago. Outro ainda disse: "Tinha que ser daqui do Rio Grande do Sul, e é por isso que está acontecendo tanta desgraça aqui"; uma seguidora afirmou: "Tá explicado porque o RS sofreu aquela calamidade." Também houve quem escreveu em tom de profecia apocalíptica: "O Brasil será castigado. Teremos um terrível castigo de Deus. Se preparem!"
Procurado pela reportagem, Tiago Bruno de Almeida Prado disse que o vídeo é de um canal jornalístico católico, em que há a intenção de cobrar o bispo e o padre por uma postura que, segundo ele, seria diferente do que é indicado no código de direito canônico e do catecismo da Igreja.
"É um vídeo estritamente técnico sobre Igreja Católica Apostólica Romana". Tiago ainda questiona o Frei "será que o padre foi tolerante ou intolerante com a doutrina da Igreja?". Segundo o youtuber, as regras da Instituição não foram respeitas. Sobre a nota da paróquia, Tiago argumenta que quando seu canal é citado hava "informações inverídicas", mas, não menciona quais seriam. Questionado sobre os comentários de intolerância religiosa que foram feitos em seu vídeo, ele nega que tenha estimulado o comportamento de seus seguidores e se defende: "Em nenhum momento do vídeo eu faltei com respeito ou estimulei comentários, meu vídeo foi baseado na doutrina da Igreja Católica, sobre um fato ocorrido no salão paroquial, qualquer outro assunto que não esse que foi tratado eu não tenho nada a responder, pois como irei responder por algo que eu não disse e não estimulei."
O QUE DISSE O FREI
O pároco da Igreja Nossa Senhora de Fátima, frei Protásio Ferronato, conversou com o UOL e reforçou que a decisão de alugar o salão paroquial foi tomada com base no princípio da fraternidade e do diálogo inter-religioso, mas esclareceu que cerimônias religiosas de outras tradições não podem ser realizadas no espaço da Igreja Católica. Para o frei, não houve má-fé por parte da liderança do terreiro Ogum Megê e Oxum, mas apenas uma "falta de clareza na comunicação".
"Reafirmamos o caminho da amizade social, da fraternidade universal, caminho do ecumenismo e do diálogo inter-religioso, no respeito à diversidade", afirmou o frei. No entanto, ele destacou que, por não se tratar de uma relação ecumênica, e sim inter-religiosa, "o culto religioso não poderá ser realizado no espaço da Igreja Católica."
Sobre a repercussão do caso e as críticas recebidas, frei Protásio reconheceu que há comentários que podem contribuir para aprimorar o uso do salão paroquial, mas lamentou a hostilidade de certos grupos que, segundo ele, ignoraram qualquer possibilidade de diálogo. "O que é lamentável é o fato de que essas pessoas, de forma sumária, sem chance alguma de esclarecer o fato e como que num único ato, julgam, condenam, expõem ao ódio e abominam as pessoas e a paróquia como instituição", disse.
Para ele, essa postura reflete um fenômeno social mais amplo, o conservadorismo radical: "Grupos, no melhor estilo farisaico, estão sempre prontos, com pedras nas mãos, desejando eliminar e sentindo prazer em atacar todos aqueles que não pensam como eles."
Por fim, o pároco destacou a necessidade de estabelecer critérios mais claros para o uso do salão paroquial, considerando que sua construção foi financiada por diversas pessoas da comunidade. "Mais do que definir quem pode ou não pode usar o salão, é necessário estabelecer critérios sobre o caráter do evento, o que condiz e o que não condiz com um salão paroquial", explicou.
Ele também sugeriu que a Diocese elabore um regimento oficial para auxiliar na administração desses espaços. O frei mencionou ainda que recebeu apoio do bispo diocesano Dom Silvio Guterres Dutra e do secretariado pastoral da Província dos Frades Menores Capuchinhos do Rio Grande do Sul, que manifestaram solidariedade diante das críticas direcionadas à paróquia.
POSICIONAMENTO DO TERREIRO
O UOL também conversou com Rodrigo Dallagnol, 33, o Pai Rodrigo, sacerdote de umbanda há 11 anos e líder do terreiro Ogum Megê e Oxum, que, por meio de uma nota, reforçou que o terreiro alugou o salão paroquial de forma legítima, com autorização prévia da paróquia, e que a festa de Exu realizada no dia 11 de janeiro foi uma celebração dos três anos do terreiro, não um rito religioso.
Ele afirma que, desde o primeiro contato, informou à paróquia que se tratava de uma festa de umbanda com a presença de Exus e Pombagiras, incluindo o uso de tambores. "Após o primeiro contato, foi nos informado que iriam verificar com os responsáveis pela paróquia se iriam autorizar um evento de umbanda no local", disse. A confirmação da autorização teria sido recebida com alegria pelos membros do terreiro, pois demonstrava "respeito pelas mais diversas maneiras de expressar a fé."
O sacerdote repudia as reações negativas e os comentários de intolerância religiosa gerados por postagens que considerou tendenciosas. Ele reforça que todas as cláusulas contratuais foram cumpridas e, em sua opinião, "em momento algum houve desrespeito a outras religiões."
Pai explica que a expressão "noite de magia" no convite se referia a um momento de celebração e não a ritos religiosos. "Nos entristece muito as declarações de ódio e intolerância religiosa que surgiram em decorrência de postagens tendenciosas sobre a festa." Por fim, reafirma que o terreiro continuará seguindo os princípios da umbanda: "Caridade, Humildade e Fé, levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá!"
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