Em uma aula ministrada a policiais, promotores e juízes do Mato Grosso, o procurador paulista Marcio Sergio Christino dissecou a estrutura das organizações criminosas existentes mundo afora e, nesse contexto, disse que boa parte das notícias sobre o PCC não tem base científica ou lógica.
Especialista em crime organizado e estudioso de máfias, Christino colocou na lista de teses sem lastro a equiparação feita entre PCC e a máfia siciliana, a suposta rede de postos de combustíveis pertencente à facção e o suposto plano dos criminosos ligados a Marco Camacho, o Marcola, de se infiltrar na política.
Também citou o volume de dinheiro movimentado pela quadrilha citado em reportagens.
"[As pessoas dizem]: 'Ah, o PCC está vendendo R$ 10 bilhões [em drogas]...' Tá, mas de onde você está tirando isso? Você não tem base de cálculo para afirmar. Você não sabe quanto ele transporta. Pode ser dez, mas pode ser cem. Como também pode ser um. De onde você tira essa base de cálculo? Não tem", disse ele em evento organizado pela Esmagis-MT (Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso), no mês passado.
O principal foco da aula magna foi demonstrar a fragilidade das afirmações feitas, inclusive por integrantes do próprio Ministério Público, de que o PCC poderá se tornar no Brasil o mesmo que a Cosa Nostra se tornou na Itália, com uma infiltração cada vez maior na organização do estado brasileiro.
Para o procurador, essa comparação poderia ser válida se o PCC tivesse mais de cem anos de existência e, de alguma forma, tivesse feito parte do estado ou da organização dele. No caso da Cosa Nostra, disse ele, até os Estados Unidos se aliaram a ela para tomar a Sicília e, na sequência, ocupar o restante da Itália.
"E, depois da guerra, eles [EUA] nomearam dirigentes mafiosos, líderes da máfia, como administradores públicos", disse. "Então, o PCC não vai se tornar a Cosa Nostra. Nunca. Ele pode ser uma outra. Eu não estou dizendo que o PCC não existe. Eu não estou dizendo que ele não é forte. Eu só estou dizendo que não é parte do estado como a máfia", complementou ele à reportagem.
Christino avaliou que o PCC não tem condições de invadir ou atacar o estado brasileiro e também não consegue se infiltrar no estado brasileiro da mesma maneira que a máfia fez na Sicília, por conta da consolidação do estado brasileiro e de suas instituições.
"O PCC não tem esse poder, nunca teve. Não tem esse poder porque o estado brasileiro já está formado. Esse espaço não existe, o Brasil não está em fase de construção de um sistema político. Você teria esse papel se o PCC tivesse 200, 300 anos de existência? Mais de 100! [...]", disse à reportagem.
Isso também vale, ainda segundo ele, sobre a possível entrada do PCC na política e na administração pública.
"O processo político brasileiro não é atrativo e não permite que você tenha candidatos cuja natureza seja ligada ao crime organizado. Por quê? Uma razão muito simples. A primeira observação: você não tem garantia de que eles serão eleitos. Não existe garantia. [...] Não existe fórmula para alguém ganhar uma eleição. Se existisse, já estava sendo usada", disse o procurador.
O procurador afirmou que a complexidade para montar uma empresa para participar em licitações públicas deixa esse negócio pouco atrativo para os criminosos. "Depende de uma estrutura. É possível, mas é muito difícil. O que é mais fácil? É mais fácil ele vender drogas, investir em outras atividades criminosas. Isso ele pode fazer, sem ter a necessidade de manter uma estrutura paralela", explicou.
Sobre a versão (apresentada até por autoridades paulistas) de que o PCC é o suposto dono de uma rede de 1.350 postos de combustível e de três refinarias, Christino disse ver aí um problema de lógica. Os postos seriam suspeitos de sonegação fiscal, algo conflitante com a lavagem de dinheiro.
"O sonegador não paga o tributo e fica com o dinheiro sujo. Ele vai precisar lavar em outra circunstância. Agora, o lavador de dinheiro quer pagar o imposto. Aliás, a coisa que o lavador mais quer na vida é pagar imposto. Quando ele paga imposto, ele legitima o dinheiro que entra. Fica com o dinheiro 'quente'. Então, a sonegação fiscal é incompatível com a lavagem de dinheiro", afirmou durante a palestra.
O procurador disse até fazer um desafio para quem faz esse tipo de afirmação.
"Recentemente um colega disse o seguinte: 'o PCC tem 1.350 postos de gasolina para lavar dinheiro'. 'E o PCC tem três refinarias'. Pois não, me dá um. Me dá os dez maiores. Ué, se você sabe que tem 1.350 postos, você está sabendo quem são. Então me dá dez. Aí, um vira, e diz: 'o posto de gasolina do PCC é aquele que tem um balão azul'. Que balão azul? Falei: 'vocês estão loucos'. Então vamos lá, vamos ver um posto que tem um balão azul. Vamos lá", complementou.
Um dos maiores absurdos publicados pela imprensa sobre a suposta influência ou participação do crime organizado em esquemas, continuou Christino, foi uma reportagem sobre supostas fraudes em maquininhas de pegar bichinho de pelúcia, comum em shoppings.
"Vocês viram a reportagem? Era o seguinte, olha: 'essas máquinas estão sendo programadas para só pegar um bichinho de pelúcia a cada dez [tentativas]'. Aí, vem um cara e fala assim: 'suspeita-se do envolvimento do crime organizado e das milícias nos bichinhos de pelúcia'. Eu virei e falei assim: 'olha, isso não é sério'. Não, isso não! Bichinho de pelúcia? Os caras com tanque de guerra, metralhadora, vão se envolver com bichinho de pelúcia?"
Para o procurador, atribuir participação do crime organizado em todos os esquemas existentes é dar um poder para o PCC que ele não tem de fato. Isso tem um efetivo muito negativo ao consolidar no imaginário popular, continua ele, de um grupo criminoso quase onipresente, o que é ruim para sociedade.
"Você cria o temor social, você cria o medo, e você cria especulações."
Por fim, o procurador também questiona a versão apresentada na imprensa, com base em informações de autoridades, sobre a suposta existência de uma milícia atuando na região central de SP, com a participação de integrantes da GCM (Guarda Civil Municipal).
"Se você entender que milícia é qualquer organização, qualquer quadrilha formada por policiais, você tem milícia em todo lugar. [...] Agora, se você tem, por exemplo, um cara que vai lá e cobra proteção, você vai comparar isso com a milícia do Rio de Janeiro? Não dá. Porque a milícia do Rio de Janeiro controlaria não somente o fluxo de drogas, mas todos os outros crimes e também impediria a ação do Estado", disse.
O procurador finaliza. "Então você tem afirmações que não são baseadas em dados confiáveis. A base de dados não confirma isso. E nem a lógica."