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Pesca é principal problema

Pesquisadores fazem contagem de botos na Amazônia para avaliar ameaça de extinção

Folhapress/Fabiano Maisonnave
01 nov 2021 às 15:18

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- Mark Carwadine/WWF Brasil
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Sob o implacável sol amazônico, os pesquisadores a bordo do barco Comandante Gomes 3 apertam os olhos para não perder os poucos segundos em que os botos (boto-rosa) e os tucuxis (boto-cinza) surgem das águas barrentas para respirar.


O trabalho extenuante da expedição Boto da Amazônia, realizado por três semanas ao longo de 1.200 km pelos rios Solimões, Purus e Japurá, visa a responder a uma pergunta dramática: após anos de caça em larga escala, os golfinhos da Amazônia continuam ameaçados de extinção?

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A situação mais preocupante é a do boto. A partir do início dos anos 2000, um monitoramento do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) liderado pela bióloga Vera da Silva começou a notar um declínio acentuado da população da espécie na RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) Mamirauá (530 km de Manaus).

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Em seguida, o Inpa concluiu que a população do boto em Mamirauá vinha caindo pela metade a cada dez anos. A descoberta o colocou na lista vermelha de animais em perigo de extinção da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, na sigla em inglês), em 2018.

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Dois anos depois, o tucuxi, que costuma morrer após ficar preso em redes de pesca, recebeu a mesma classificação. Hoje todas as espécies de golfinho de rio no mundo estão ameaçadas, e uma delas, o baiji, foi extinta, na China.


Com o boto, o motivo da redução abrupta foi a popularização do seu uso como isca para a pesca da piracatinga, também conhecida como urubu d'água. Para ser capturada, essa espécie de peixe carniceiro é atraída para dentro de um cercado pela gordura do boto esquartejado, um frenesi parecido ao ataque de piranhas. Jacarés também costumam ser usados na atividade, mas com impacto ecológico menor.

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"A pesca da piracatinga é a ameaça mais gritante, a que temos de lidar com maior rapidez", afirma a pesquisadora-chefe da expedição, a fluminense Sannie Brum, 38.

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"Os declínios têm sido observados em áreas muito pontuais, mas, como são ameaças emergentes, sem solução e em escalada, foram classificados como ameaça de extinção pela IUCN", afirma a bióloga.


A pesca de golfinhos amazônicos já é proibida, mas só essa proteção legal não era suficiente. Por isso, em 2015, o governo federal decretou, por cinco anos, uma moratória da pesca e da comercialização da piracatinga.

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A suspensão dessa atividade foi renovada duas vezes por períodos de um ano e agora termina em 1º de julho de 2022. A decisão cabe ao governo federal, via Ministério da Agricultura.


O consumo da piracatinga é raro entre os ribeirinhos, mas sua carne é bastante apreciada na Colômbia, o que abriu o mercado para esse peixe há cerca de 20 anos. Desde 2017, porém, o país vizinho suspendeu a comercialização por tempo indeterminado, após pesquisas detectarem alta concentração de mercúrio na carne.

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No Brasil, é comum a piracatinga ser comercializada "disfarçada" de filé de douradinha ou de pirarucu, enganando o consumidor.


Segundo relatório do Ministério da Agricultura, a partir de números fornecidos pelo governo estadual, o Amazonas produziu cerca de 4.500 toneladas/ano entre 2011 e 2014. A pesca ocorre principalmente no rio Solimões.

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Apagão estatístico - O problema é que, durante a vigência da moratória, não tem havido acompanhamento efetivo da tendência populacional. Em 2016, o Cepam (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Amazônica), do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), realizou uma primeira expedição pelos rios Solimões e Purus. O projeto previa outras cinco contagens anuais, até 2020, mas não houve mais recursos para as viagens.


O monitoramento só foi retomado em outubro, graças a uma parceria entre o Inpa e a ONG Sea Shepherd Brasil, que decidiu patrocinar, inicialmente, seis viagens semestrais de monitoramento, com o mesmo itinerário de 2016. A primeira expedição, acompanhada pela reportagem da Folha, foi concluída no dia 23 de outubro.


"Quando abraçamos uma causa, ficamos por muito tempo", afirma Nathalie Gil, que lidera a campanha na Sea Shepherd, financiada por meio de doações. "Criamos esse modelo de pensar em três anos, mas queremos ficar muito mais. Começar com pesquisa e quem sabe, no futuro, se tornar até uma fiscalização."


De acordo com Brum, não há como avaliar a população dos botos e tucuxis apenas com as expedições de 2016 e a recém-concluída. Em reuniões com o ministério, a cientista, como representante do Inpa, defendeu a renovação da proibição por mais seis anos, tempo necessário para uma avaliação conclusiva.


O motivo é o ciclo de vida lento dos botos. Eles só chegam à maturidade sexual após dez anos. A gestação dura de 12 a 13 meses, e só nasce um filhote por vez, que fica sob os cuidados da mãe durante três anos.


Apesar desse posicionamento do Inpa, o ministério é contrário à moratória e defende a retomada "sustentável" da pesca da piracatinga, embora evite falar em prazos.


"O gatilho para a adoção da moratória foi o uso de espécies silvestres, incluindo o emblemático boto, como isca para a captura da piracatinga. Contudo, cabe mencionar também que a moratória trouxe uma grande restrição nas opções de renda de comunidades ribeirinhas, pois, em algumas áreas, há relatos de que o componente piracatinga, no total de peso capturado, chegava a 35%", afirma a pasta, em nota.


Brum nega que o peixe tenha tanta importância na economia local. "Em conversas que temos mantido com pescadores desde a proibição em nossa área de estudo, principalmente no Médio Solimões, os pescadores não nos indicam a proibição como uma séria restrição a sua renda."


Método para baleia - Para o cômputo dos botos e tucuxis, os pesquisadores do Inpa utilizam método criado para as baleias, adaptado para as condições amazônicas e para os golfinhos de rio. Trata-se de estimativa: como os cetáceos se movimentam e só são avistados quando sobem para respirar, não é possível contá-los todos.


Para medir a densidade populacional, os biólogos dividem então a distância percorrida em transectos, unidade usada para contar tanto plantas quanto animais. No caso dos golfinhos amazônicos, um novo transecto é criado a cada 2 km percorridos.


Os tucuxis (cinza), que costumam nadar em grupo, são mais visíveis que os botos-rosa, de comportamento mais solitário. Por isso, ao calcular a densidade, os pesquisadores estimam que, em média, avistam 70% dos tucuxis de determinado transecto. Para os botos-rosa, o percentual cai para 40%.


Em campo, o trabalho envolve seis pesquisadores, divididos em dois grupos, postados em plataformas na proa e na popa do barco. Cada equipe tem dois observadores de botos e um anotador. Em geral, são seis horas de trabalho, de manhã e à tarde, sob forte calor. 


Ao longo dos 19 dias em que houve contagem, foram avistados cerca de 1.400 botos e 3.200 tucuxis. As conclusões em relação aos números, contudo, só serão obtidas depois das seis viagens previstas.


Na contagem de 2016, que servirá de base para acompanhar a dinâmica populacional, o rio Purus foi o local de maior densidade -e não só de botos na Amazônia. Nenhuma espécie de cetáceo do mundo registrou densidade tão alta quanto a do rio Purus, segundo a pesquisadora Sannie Brum. Ela cita dois motivos: a alta piscosidade e a pesca manejada na RDS Piagaçu-Purus.


Por outro lado, a densidade de botos diminui drasticamente na região de Manacapuru (100 km de Manaus), onde houve intensa pesca de piracatinga. Foi ali que a expedição flagrou o único ponto dessa atividade durante a viagem, um sinal de que a moratória diminuiu, mas não acabou com a prática.


Caso o boto seja extinto, a Amazônia perderá um de seus habitantes mais originais. Enquanto o tucuxi, parente dos golfinhos do mar, adentrou pela foz do rio Amazonas há "apenas" 2,5 milhões de anos, o boto está na região amazônica desde que a atual floresta era um grande lago, há cerca de 30 milhões de anos.


Esse longo tempo de evolução adaptativa resultou em características únicas. Uma das mais importantes está na cabeça. O "melão" muito pronunciado indica uma ecolocalização sofisticada, que permite navegar pela floresta inundada e achar os peixes em águas turvas.


Ao contrário dos outros golfinhos, os botos não têm as vértebras do pescoço fusionadas. Com isso, são mais flexíveis, chegando a se dobrar em formato de "U".


Outra exclusividade é a dentição. Além dos dentes cônicos, comum a todos os golfinhos, há também incisivos na parte de trás da boca, usados para mastigar espécies mais duras de bagres. "É uma espécie muito, muito adaptada para a Amazônia", afirma Brum.


O repórter viajou a convite da Sea Shepherd Brasil.

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