A 14ª Turma do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região), em São Paulo, condenou o iFood a pagar multa de R$ 10 milhões e mandou o aplicativo registrar os motoristas que prestam serviços à plataforma, em julgamento nesta quinta-feira (5) de ação movida pelo MPT (Ministério Público do Trabalho).
Por 2 votos a 1, os desembargadores entenderam que há vínculo de emprego pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) entre os motoboys e a empresa e determinaram, além da multa de R$ 10 milhões, mais R$ 5.000 por cada entregador não registrado e R$ 5.000 caso a decisão não seja cumprida.
Os valores devem ser encaminhados ao PAT (Programa de Amparo ao Trabalho) ou a uma instituição indicada pelo MPT. Cabe recurso da decisão.
Em nota, o iFood afirma que irá recorrer, que não há efeito imediato nas operações e que a decisão destoa das demais tomadas pelo Judiciário de forma majoritária.
"O posicionamento destoa de decisões recentes do próprio TRT-2 e gera insegurança jurídica para o setor de delivery ao estabelecer um modelo de vínculo empregatício por hora trabalhada, que não tem previsão na legislação atual e que não seria viável diante da dinâmica flexível e autônoma do trabalho por aplicativo", diz nota enviada à reportagem.
Na ação, o MPT apresentou relatos de operadores logísticos que seriam contratados pela plataforma para definir a rota e o trabalho dos entregadores, mas que não tinham carteira assinada. Com base nestes casos, a Procuradoria defendeu o direito ao vínculo formal a todos os funcionários, incluindo os entregadores.
A decisão teve como base o relatório do desembargador Ricardo Nino Ballarini, em recurso do Ministério Público contra definição inicial da Justiça, que havia dado ganha de causa ao iFood. O caso começou a ser julgado em 21 de novembro, mas a foi adiado após pedido de vista -solicitação de mais tempo para análise- feita pelo desembargador Fernando Alvares Pinheiro.
Pinheiro foi contrário ao relator, mas foi voto vencido. Para ele, a competência para julgar a ação seria da Justiça comum e não da Justiça do Trabalho. O que estaria em jogo no julgamento, segundo ele, é o trabalho por plataforma e não um "direito individual homogêneo".
Para o iFood, a determinação do TRT-2 "impõe a uma única empresa obrigações que, se cabíveis, deveriam ser discutidas para todo o setor", atrapalhando a competividade e prejudicando o modelo de negócios ligados ao aplicativo enquanto os demais poderão seguir da forma como estão, ou seja, sem registrar os entregadores em carteira.
Os debates acerca do vínculo de emprego versus o trabalho autônomo tomam conta do Judiciário brasileiro desde 2021, quando as primeiras ações civis públicas começaram a surgir. No STF (Supremo Tribunal Federal), no entanto, o entendimento é de que a atividade é autônoma e não cabe registro em carteira de trabalho.
André Porto, diretor executivo da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), disse à reportagem "não ter dúvida de que o vínculo de emprego não se adequa a essa realidade" de trabalhadores autônomos cuja atividade é intermediada por plataforma.
Para ele, embora seja uma decisão "minoritária", traz "bastante insegurança jurídica". Segundo o executivo, pesquisas da associação mostram que os próprios entregadores não querem o vínculo, já que preferem logar em vários aplicativos ao mesmo tempo e ter domínio sobre o seu tempo de trabalho.
"Para a gente, a insegurança jurídica que esse tipo de decisão gera é muito ruim. Apesar de que a maioria dos tribunais têm sido favoráveis [aos apps]. Há um conflito, há uma posição minoritária que tenta enxergar vínculo numa relação que não tem vínculo, por isso acreditamos que é importante que o Supremo se debruce para que consiga minimamente pacificar as relações", afirma.
Ele destaca o fato de que houve um entendimento que pode ser favorável aos aplicativos nos debates sobre a regulação do trabalho, de que o pagamento é por hora trabalhada e não por hora logada, como queriam os profissionais durante os debates do GT (Grupo de Trabalho) para regulamentar a atividade.
As discussões ocorreram em 2023 e, em fevereiro de 2024, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao Congresso projeto que cria a categoria "motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas", voltado apenas aos motoristas de veículos. Os entregadores ficaram de fora por não haver consenso.
A votação do projeto não avançou e está parada no Congresso.