Os resultados de um estudo feito por pesquisadores brasileiros e apresentado durante a 10º Conferência Europeia de AVC (acidente vascular cerebral) em maio podem beneficiar pacientes que sofreram AVC isquêmico agudo.
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Disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) desde dezembro do ano passado, a trombectomia mecânica (TM) conta com 13 hospitais no país habilitados para o procedimento. Ela é recomendada para pacientes até 24 horas após o início dos sintomas.
De acordo com o Ministério da Saúde, até oito horas depois dos sintomas, uma tomografia é suficiente para dizer se o paciente pode ou não passar pelo procedimento. Após esse período, o procedimento deve ser feito após o paciente passar por exames de imagens avançados, que custam mais caro aos hospitais.
"E isso limita, porque poucos hospitais têm isso", diz a neurologista e pesquisadora Sheila Martins, professora da Faculdade de Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), presidente da Rede Brasil AVC e da World Stroke Organization.
A pesquisa atestou a eficácia do tratamento sem a necessidade da tomografia. "É um enorme avanço porque possibilita que mais pacientes sejam tratados", diz Martins.
A TM consiste na desobstrução da artéria cerebral por meio de um cateter que leva um dispositivo para remover o coágulo do vaso sanguíneo do cérebro. O procedimento pode aumentar em três vezes a chance de o paciente ser independente após o AVC, por diminuição das sequelas. O AVC isquêmico é o tipo mais comum deles e corresponde a cerca de 80% dos casos.
O ensaio clínico, patrocinado pelo Ministério da Saúde, envolveu 245 pacientes de 8 a 24 horas após o início dos sintomas do AVC, em 12 centros de saúde pública no Brasil. A maioria tinha cerca de 60 anos e pouco menos da metade eram mulheres. A coordenação foi do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
"A idade média dos pacientes incluídos foi de 62 a 63 anos, um pouco mais jovem do que visto em outros testes de trombectomia porque, em países de renda média e baixa, os AVCs ocorrem em uma idade mais jovem e têm uma taxa de letalidade mais alta", acrescenta.
Os resultados, embora ainda não publicados, já foram apresentados à pasta da Saúde. Procurado, o Ministério informou que a não habilitação dos hospitais não impede que estabelecimentos públicos, privados e filantrópicos realizem o procedimento e que, além dos 13 habilitados, os gestores estaduais e municipais podem solicitar a habilitação de novos hospitais, desde que atendam aos critérios descritos em normativa, por meio do Sistema de Apoio à Implementação de Políticas em Saúde (SAIPS).
Segundo Martins, a pesquisa é a primeira sobre trombectomia no período tardio realizado fora dos países desenvolvidos. Estudos anteriores foram feitos em países ricos, com avaliação por ressonância magnética.
Na prática, uma parte dos hospitais brasileiros já faziam o procedimento justamente por estarem incluídos nos estudos, segundo a neurologista vascular Maramelia Miranda, presidente da SBAVC (Sociedade Brasileira de AVC). A nova pesquisa, assim, servirá como base para atualização do chamado PCDT (Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas), que guia as diretrizes clínicas no SUS.
"Exames de imagem avançadas ajudam em determinados casos, mas a maioria dos casos com indicação de trombectomia hoje precisam fazer apenas tomografia e angiotomografia", afirma Miranda.
Agora, os pesquisadores buscam entender porquê os resultados não foram tão eficazes em pacientes acima de 70 anos. Uma das hipóteses é que o paciente do SUS, por ser mais vulnerável –com maiores riscos de histórico de problemas de saúde– não responda tão bem quanto pacientes da mesma idade de países desenvolvidos.
No Brasil, o SUS começou a oferecer a TM com mais de dois anos de atraso. A adoção do procedimento foi comunicada em portaria publicada em fevereiro de 2021, mas só foi efetivada com outra portaria, a GM/MS Nº 1.996, de 24 de novembro de 2023.
Para Miranda, o gargalo maior para o tratamento de pessoas com AVC isquêmico logo após os sintomas é a falta de um fluxo de atendimento organizado e com protocolos bem implementados, os altos custos dos materiais e a necessidade de uma equipe altamente especializada.
Segundo ela, não são todos os hospitais habilitados que fazem o procedimento. "Houve muitos avanços, mas ainda há um problema de acesso muito grande. O nó da coisa é organizar o fluxo, fazer campanha para população ir logo no hospital, para o Samu não levar para a UPA [Unidade de Pronto Atendimento], mas para o hospital de referência, e saber quais são estes para tratamento de AVC", diz.
As mortes por AVC são a segunda principal causa de mortalidade no mundo e devem aumentar 47% até 2050, segundo estudo publicado na revista The Lancet Neurology. No Brasil, são registradas cerca de 400 mil mortes anuais por doenças cardiovasculares, que incluem AVCs.