Parece um consenso: as redes sociais prejudicam o aprendizado, a sociabilidade e elevam sintomas associados a transtornos mentais, como depressão e ansiedade, em crianças e adolescentes.
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Em meio ao sucesso do livro "Geração Ansiosa", do psicólogo social americano Jonathan Haidt, pais no Brasil e no mundo já fazem movimentos para tentar banir smartphones de escolas e restringir o uso das redes sociais das crianças. Na obra, Haidt atribui ao mundo do Meta e companhia "a maior ameaça à saúde mental das crianças e adolescentes" nas últimas duas décadas.
Mas junto com o sucesso da obra, crescem também os contrapontos entre os cientistas da falta de evidências apresentadas no livro. Um destes levantamentos foi feito por Holden Thorp, editor da revista Science, uma das mais importantes do mundo, em editorial publicado na última quarta-feira (19).
Na última segunda-feira (17), a discussão ganhou novas proporções quando a principal autoridade de saúde nos Estados Unidos, Vivek Murthy, disse que é preciso responsabilizar as grandes empresas de tecnologia pelos danos causados à juventude com avisos nas plataformas, à mesma maneira que há avisos em bebidas alcoólicas ou embalagens de cigarros listando os possíveis danos à saúde.
No entanto, diversos especialistas que estudam a psicologia e comportamento infantil há anos questionam a falta de evidências científicas nas alegações de Haidt. Uma das principais críticas, publicada na forma de resenha na prestigiada revista científica Nature, é Candice Odgers, uma psicóloga com vasta experiência em saúde mental adolescente.
Segundo ela, o professor e autor best-seller não conseguiu provar o efeito de causalidade entre as mídias sociais e o aumento de transtornos de saúde mental nos jovens.
Da mesma forma, a Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina (Nasem, na sigla em inglês) americana publicou um relatório em que diz que "os estudos atuais que relacionam as redes sociais à saúde demonstraram efeitos e associações muito fracos (...) ao contrário da narrativa social e cultural de que as mídias sociais, de forma universalizada, são prejudiciais aos adolescentes", conforme afirma o artigo da Science.
Para Thorp, Odgers disse que "as pessoas não estão criticando [o livro] porque há um pânico moral e medo generalizado em volta desse tema". Já Haidt, também em resposta ao editor da Science, diz que as críticas negativas são "minoria" e que ele vem sofrendo, na verdade, pressão de outros pesquisadores.
Mas a ausência de evidências frente a um problema de proporção pública e de alto impacto na sociedade pode justificar a conclusão sem um olhar meticuloso? A resposta, para Thorp, é não.
E mais, figuras de notoriedade pública ou que têm espaço para falar na mídia devem ter uma responsabilidade ainda maior para mencionar lacunas no conhecimento científico corrente, e lembrar sempre que o que é dito é à luz dos estudos mais recentes, diz Thorp.
Segundo o maior levantamento feito até então sobre redes sociais e adolescentes, do Instituto de Pesquisa Pew (o levantamento é parte de um Estudo do Desenvolvimento Cerebral e Cognitivo Adolescente), cerca de 9 em cada 10 crianças e adolescentes de 13 a 17 anos disseram acessar constantemente o YouTube.
As proporções, porém, caem para as redes que seriam mais "problemáticas", como TikTok e Instagram: 63% e 59%, respectivamente. Foram consultadas 1.453 crianças nos Estados Unidos, de 26 de setembro a 23 de outubro de 2023, com o consentimento dos pais.
Os números são ligeiramente menores do que foi levantado na pesquisa anterior, de 2022, que indicaram uso de 95% do YouTube, 67% do TikTok e 62% do Instagram. Houve um crescimento, contudo, de Snapchat (59% para 60%), Facebook (32% para 33%) e X (ex-Twitter; 17% para 20%).
A mesma pesquisa viu uma maior proporção de meninas que usam constantemente uma ou mais redes sociais do que os seus pares masculinos (22% versus 12%, no caso do TikTok, e 17% versus 12% para o Snapchat). Na média, 1 em 5 crianças e adolescentes nos EUA acessam "quase sempre" YouTube, TikTok e Snapchat.
Conteúdos problemáticos nas redes sociais, além de problemas comportamentais causados pelo vício, são alguns dos obstáculos enfrentados no uso de redes sociais por jovens, dizem especialistas. No caso dos argumentos de Haidt, porém, de proibir por completo o uso, pediatras e psiquiatras infantis são mais céticos quanto ao efeito prático. "O que nós precisamos é ajudar as nossas crianças a usar essas ferramentas de uma forma ética, saudável e inteligente", explica Michael Rich, do Hospital Infantil de Boston, também no artigo de Thorp.
Por fim, o editor chama a atenção para o problema enfrentado durante a pandemia da Covid-19, quando a confiança do público na ciência foi minada devido a momentos em que autoridades públicas falharam em afirmar com segurança quais as medidas mais recomendadas -como quando, no início da pandemia, a OMS (Organização Mundial da Saúde) contraindicou o uso geral de máscaras contra o coronavírus para garantir os estoques para os profissionais de saúde.
"Ultrapassar os interesses e agendas próprias de personalidades que se contrapõem vai exigir não só pesquisas mais sólidas [para construir a evidência científica], mas também um maior cuidado para anunciar as descobertas para o público geral", conclui o artigo.