Ainda que detentor de uma política migratória cujas linhas gerais são elogiadas internacionalmente, o Brasil não possui um plano para os seus cidadãos que emigraram e foram forçados a voltar para casa: os deportados.
O tema ganhou projeção com a promessa de Donald Trump de que a expulsão de imigrantes em situação irregular será o mote de seu novo governo nos Estados Unidos, mas não era de menor relevância, mesmo que passasse por baixo dos holofotes. Ao longo dos últimos quatro anos, o Brasil recebeu mais de 7.100 deportados dos EUA.
Países como México, Guatemala e Honduras, que historicamente recebem um volume de compatriotas deportados muito superior ao do Brasil, já possuem políticas de acolhimento e reinserção dos imigrantes. Neste mês, diante das ameaças vindas de Washington, os governos dessas nações anunciaram a ampliação e a diversificação de seus projetos na área.
Agora, o governo Lula (PT), que fez uma publicação recente nas redes sociais afirmando que deportados "são dignos de respeito", corre para pensar em ações paliativas. A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, está puxando a iniciativa na gestão.
Ao chegar ao Brasil em voos fretados pelos EUA e normalmente pelo Aeroporto Internacional de Confins, em Minas Gerais -já que há uma emigração histórica de mineiros para os Estados Unidos-, os deportados passam pelo controle da PF (Polícia Federal), de praxe para qualquer cidadão, e não costumam receber apoio.
É um tema sensível em especial pela insistência na migração. Pessoas que chegam ao país sem perspectiva de reconstruir a vida na terra natal, e muitas delas após anos nos Estados Unidos, não incomumente tentam novamente emigrar com a ajuda de coiotes. Há um impacto material, mas também de caráter psíquico em suas vidas.
A reportagem apurou que o tema mais de uma vez apareceu na mesa do governo. Com o retorno de Lula ao poder, deu-se início às conversas para finalmente elaborar uma política de migrações, demanda da Lei de Migração assinada em 2017 e que nunca saiu do papel.
Uma equipe chegou a produzir um documento, que até aqui não foi aprovado. Um de seus artigos dizia que "as pessoas brasileiras retornadas e as não admitidas no exterior, bem como seus familiares, serão público-alvo de ações de promoção de direitos, inserção socioeconômica e integração local". Nada foi para a frente.
Mesmo cidades que historicamente são polos exportadores de mão de obra (e, assim, também são destino comum de deportados), como a mineira Governador Valadares, não possuem uma política específica.
Quando a gestão do município foi questionada sobre o tema, disse que vai "aguardar essa chegada" para analisar "os próximos passos". É certo que é nebulosa a resposta de quantos brasileiros devem ser deportados nos próximos meses e anos. Sabe-se apenas que o número de cidadãos do país em situação irregular hoje nos EUA é estimado em 230 mil. Mas não há pistas de quantos entrarão na mira dos órgãos de segurança de Donald Trump.
A ministra Macaé Evaristo (Direitos Humanos) anunciou após reunião com Lula e outros de seus pares na tarde desta terça (28) a criação de um posto de atendimento humanizado em Confins. O projeto seguiria o modelo da estrutura que há 20 anos já existe no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo.
A iniciativa no maior aeroporto do país, porém, precisa ser olhada com cautela. Inicialmente criada para combater o tráfico de pessoas, foi nos últimos anos dominada pelos atendimentos a migrantes afegãos que chegavam e por dias, semanas ou meses moravam no terminal 2 do aeroporto. É um aparato de atendimento imediato e importante, mas quem acompanha o tema diz que é preciso fazer mais.
Há mais de 30 anos acompanhando histórias de pessoas deportadas, a professora Sueli Siqueira, da Universidade Vale do Rio Doce, diz que o atendimento psicológico é o mais importante. "Não adianta dar acesso ao mercado de trabalho se eles acabaram de sair de situações pós-traumáticas e se muitos ainda estão em negação."
Siqueira observa que os deportados muitas vezes retornam confusos e sem o que ela chama de "dimensão econômica". Eles gastam as suas economias que trouxeram em dólares com facilidade e sem objetivos coesos. Uma de suas pesquisas acadêmicas mostrou que 70% do que os deportados levam ao Brasil são perdidos. Não é incomum que eles tentem retornar aos EUA. Também é possível que deportados tenham sido separados de suas famílias. Esse é um relato frequente de imigrantes.
A reportagem acessou documentos da DPU (Defensoria Pública da União) referentes a um grupo de deportados que chegou a Confins há dois anos e meio após passar dias em um centro de detenção no Texas. Os relatos que deram coincidem em partes com o que foi observado na deportação de brasileiros no último fim de semana, mostrando que algumas práticas antes por baixo do radar são recorrentes.
Na ocasião, aqueles deportados disseram que foram impedidos de acessar assistência consular nos EUA, que passaram mais de 12 horas algemados no transporte, nos pés e nas mãos, e que no centro de detenção uma criança brasileira teria sido agredida por um dos guardas americanos. Uma mãe com uma filha menor de idade, também deportada, disse que a avó, idosa, foi separada e permaneceu no país norte-americano.
Erguer políticas para acolher os compatriotas expulsos dos Estados Unidos será uma tarefa para toda a América Latina e o Caribe. Desde a última semana alguns países da região fizeram anúncios importantes.
O governo de Claudia Sheinbaum no México anunciou o programa "México Te Abraza", por meio do qual os deportados terão acesso a benefícios sociais que são a espinha dorsal da gestão; receberão 2.000 pesos (R$ 570) para poder chegar a suas cidades; e terão ajuda para tirar documentos. Também disse que 35 mil postos de trabalho em setores de serviço e manufatura já foram colocados à disposição por empresários para esses retornados.
Em Honduras, o governo de Xiomara Castro lançou o "Hermano, vuelve a casa", programa que, em linhas gerais, daria um "bônus de solidariedade" para migrantes (o valor não foi dito); comida e um "programa massivo de emprego", segundo algumas autoridades.
Na Guatemala, a gestão de Bernardo Arévalo anunciou um plano para oferecer apoio psicológico às pessoas "que enfrentaram o trauma da deportação" e para fazer entrevistas trabalhistas com todos para direcioná-los a postos de trabalho.
A ideia seria aproveitar as novas habilidades que adquiriram durante o tempo nos EUA, como o conhecimento em inglês -na América Central, muitos retornados trabalham como guias turísticos.
Leia também: