A declaração de um líder da Igreja Universal do Reino de Deus gerou forte repercussão nas redes sociais por ele ter associado a chamada "marca da besta", mencionada no livro do Apocalipse, ao nível de escolaridade das pessoas. Durante o culto, o bispo Wagner Alves afirmou que aqueles que têm diploma universitário receberiam a marca na testa, enquanto os que possuem ensino fundamental ou médio a teriam na mão direita. A fala provocou críticas e reações irônicas, reacendendo debates sobre o real significado dessa profecia bíblica.
MAS AFINAL, O QUE É A MARCA DA BESTA?
O termo "besta" aparece 37 vezes na Bíblia, sendo a maioria dessas ocorrências no livro do Apocalipse. O capítulo 13 do livro, por exemplo, apresenta duas bestas: uma que emerge do mar, associada a um poder opressor que persegue os seguidores de Deus, e outra que surge da terra, agindo como sua aliada ao realizar sinais e enganar as pessoas.
A "marca da besta" é mencionada seis vezes em Apocalipse (13.16-18; 14.9-11; 16.2; 19.20; 20.4) e está diretamente ligada ao governo da primeira besta. Em Apocalipse 13.16-18, lê-se: "Também faz que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, lhes seja posto um sinal na mão direita ou na testa, para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver a marca, o nome da besta ou o número do seu nome. Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento, calcule o número da besta, pois é número de homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis."
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O número enigmático 666 tem sido alvo de múltiplas interpretações ao longo da história, diversas teorias surgiram para tentar decifrar o significado da marca. Alguns a relacionam a sistemas políticos autoritários, outros a enxergam como referência a mudanças econômicas ou avanços tecnológicos. Já interpretações acadêmicas sugerem que o autor do Apocalipse utilizou linguagem simbólica para descrever as perseguições enfrentadas pelos cristãos sob o domínio do Império Romano.
INTERPRETAÇÕES TEOLÓGICAS
O pastor batista e professor de teologia, Cacau Marques, explica que a interpretação da marca da besta precisa ser feita considerando o contexto histórico e literário do Apocalipse. Segundo ele, a marca simboliza lealdade a um sistema opressor e não deve ser entendida literalmente.
Marques explica que a "marca da besta" é frequentemente associada a algum tipo de sistema de governo ou autoridade que exerce domínio sobre a sociedade. O pastor alerta para os riscos de distorções no uso desse símbolo e ressalta que "a maior preocupação é associar essa marca ao exercício de domínio e exclusão", algo que, em sua visão, configura uma perversão dos ensinamentos bíblicos. Para ele, utilizar a ideia da marca da besta como instrumento de controle e exploração das pessoas é uma forma de "inverter o significado do texto bíblico" e se alinhar com "pregadores que deturpam as escrituras" para manter o controle sobre suas congregações.
Em relação à associação da marca da besta com tecnologias ou até mesmo com a formação acadêmica, o pastor defende que essas interpretações devem ser encaradas com ceticismo. Ele destaca que "sempre que tentaram identificar esse tipo de sinal, ficou provado que essa abordagem estava equivocada". Como exemplo, menciona tentativas de vincular a marca a chips ou códigos de barras.
Para Marques, a interpretação mais coerente é que "a marca seria, de alguma maneira, a identificação com esses sistemas [de poder], para benefício próprio", funcionando como um símbolo de fidelidade a regimes opressores, como o Império Romano ou lideranças religiosas da época.
O católico Paulo Nogueira, doutor em teologia e professor da PUC-Campinas, explica que a ideia de "uma besta", um ser humano maligno com caráter demoníaco que se opõe a Deus, tem suas origens nos textos apocalípticos judaicos, como o livro de Daniel. Nesse contexto, "o último deles, o do final dos tempos, é descrito como a mistura de animais ferozes e, em especial, um 'chifrinho insolente', que proibia a prática da religião judaica e blasfemava contra Deus". Esse "chifrinho blasfemo" representava, de acordo com o professor, o rei Antíoco 4 Epífanes, responsável por profanar o Templo de Jerusalém em 167 a.C.
O Apocalipse de João, com suas influências judaicas, também descreve um império demoníaco que chegaria ao final dos tempos. O "líder" desse império, conforme explica Nogueira, seria o "falso profeta" ou "anticristo", que personificaria a oposição a Deus.
Sobre o famoso e polêmico número 666, Nogueira esclarece que ele "é um número de homem" e provavelmente se referia a "um governante local ou a um imperador romano", possivelmente Nero. Ele adverte contra a tentação de associar esses símbolos a eventos políticos, afirmando que "o Apocalipse é uma obra complexa, escrita em linguagem simbólica que requer estudo do seu contexto histórico e religioso antigo".
Ainda segundo o pastor Cacau Marques, é preciso ter atenção para não distorcer o que está escrito na Bíblia.
"O conhecimento, seja ele universitário, teológico ou qualquer estudo, acaba limitando o poder que esses pregadores têm sobre as suas congregações. Não é vantagem para eles que essas pessoas estudem e desafiem o conhecimento que eles possuem."
Questionada, a Igreja Universal do Reino de Deus informou que "essa foi tão somente uma interpretação pessoal, não sendo, contudo, a doutrina da Igreja - justamente por isso, o Bispo já foi orientado a respeito. O que aconteceu foi que o mesmo opinou sobre assunto Bíblico que atrai diferentes linhas de pensamento, a respeito de um tema comumente debatido."
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