Brasil

Baixa escolaridade é principal fator de risco para demência no Brasil, mostra estudo inédito

05 fev 2025 às 14:59

A baixa escolaridade é o principal fator de risco para o declínio cognitivo entre idosos do Brasil, enquanto a falta de saúde mental desponta como possível causa de problemas de perda de autonomia, mostra estudo brasileiro publicado na revista The Lancet Global Health. O baixo acesso à educação superou variáveis tradicionalmente associadas ao sintoma, como idade ou sexo.

O projeto, liderado pelo professor Eduardo Zimmer, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), e apoiado pelo Instituto Serrapilheira, evidencia a necessidade de políticas públicas que garantam o acesso universal ao ensino e o cuidado com a saúde mental desde cedo. "Para resolver o declínio cognitivo, precisamos colocar todo mundo na escola desde a infância. É fundamental garantir que crianças e adolescentes tenham acesso à educação", destaca Zimmer.

O professor também ressalta que os resultados alertam para a importância de considerar as particularidades regionais ao analisar dados globais. Estudos feitos em países desenvolvidos, com outras realidades socioeconômicas, apontam idade e sexo como os principais fatores associados a essas doenças.

"Começamos a ver que o cérebro do brasileiro é completamente diferente do cérebro do Norte Global", afirma o especialista. O país tem sofrido com um aumento no número de casos de demências, como o Alzheimer. O envelhecimento da população cumpre papel fundamental nesse cenário, mas a nova pesquisa reforça a influência de outros fatores.

A investigação, inédita, usou inteligência artificial para comparar dados de 9,4 mil pacientes brasileiros obtidos por meio do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSA-Brasil). As informações socioeconômicas e de saúde foram comparadas com a com outros países latino-americanos de renda alta (Uruguai e Chile) e baixa ou média (Colômbia e Equador). No total, mais de 40 mil pessoas foram envolvidas.

Uma vez reunidas, essas informações alimentaram um software que devolveu as estatísticas. "Nos deu uma resposta bastante inesperada", diz Zimmer. Os resultados mostraram que o pouco acesso à educação formal, a falta de atividade física e questões de saúde mental, como depressão e ansiedade, estão mais fortemente ligadas ao declínio cognitivo do que fatores biológicos.

Além disso, a análise mostrou que, enquanto pesquisas de países desenvolvidos apontam quedas e doenças cardíacas como principais fatores de perda de habilidades funcionais, no Brasil esses fatores são superados pela falta de saúde mental da população, que apresenta elevados índices de depressão e ansiedade.

Trabalhos anteriores já destacaram as particularidades associadas ao desenvolvimento de demências no Brasil e na América Latina. No começo deste ano, uma investigação evidenciou a forma expressiva pela qual a desigualdade de renda impacta a região quando comparada aos Estados Unidos.

Analisando dados socioeconômicos e de saúde de mais de 2 mil participantes, os especialistas mostraram existir uma forte correlação entre a prevalência do Alzheimer e o índice de Gini, indicador econômico que mede a disparidade de renda. Os resultados revelam que a desigualdade econômica tem efeitos sobre os mais pobres e sobre as parcelas mais abastadas da sociedade.

Já no ano passado, um estudo de grandes dimensões coordenado por cientistas da USP (Universidade de São Paulo) revelou que o baixo nível educacional, a perda auditiva não tratada e a obesidade são os principais fatores de risco para o surgimento de demências no Brasil.

Segundo os estudiosos, o cuidado com os pacientes poderia reduzir em até metade as ocorrências dessas doenças. Esses achados reforçam a necessidade de desenhar políticas públicas que abordem melhorias nas condições de vida, acesso à saúde e redução das desigualdades para o combate das demências.

A educação funciona para o cérebro da mesma forma que os exercícios físicos para os músculos. Segundo Manuella Toledo Matias, geriatra do Hospital Universitário Lauro Wanderley da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), por meio do estudo e do esforço intelectual, desenvolvemos mais conexões entre diferentes neurônios, o que os pesquisadores chamam de reserva cognitiva.

Com mais massa cinzenta, podemos resgatar informações por vias alternativas, caso as sinapses habituais sejam comprometidas. Mas Matias alerta que a qualidade do ensino também entra em campo. "Mesmo com anos de escolaridade, às vezes os pacientes não têm uma reserva neurológica boa", afirma. Por isso não basta ofertar escolas à população. Para a prevenção de demências, o país deve buscar índices educacionais do mais alto nível.

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