Ação do MPT (Ministério Público do Trabalho) pediu há dez anos a suspensão de voos da companhia Passaredo, hoje chamada Voepass, sob alegação de risco de acidente aéreo. A empresa acumulava atrasos salariais que, na avaliação da promotora do caso, poderiam resultar em abalo psicológico da tripulação capaz de comprometer a segurança da atividade.
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A Justiça, porém, negou a interrupção dos voos requisitada pela procuradora do trabalho Cinthia Passari Von Ammon, que atua em Ribeirão Preto, cidade do interior de São Paulo onde fica a sede da companhia aérea. Na ocasião, o Judiciário estipulou multa e condenou a empresa a quitar os débitos.
Em processo de recuperação judicial, a Voepass afirma que suas questões trabalhistas na Justiça são acompanhadas e devidamente tratadas e que atua em setor altamente rigoroso com a segurança.
Não é possível estabelecer neste momento relação entre questões trabalhistas e a queda do modelo ATR 72-500 da Voepass na cidade de Vinhedo (SP) que matou 58 passageiros e quatro tripulantes na última sexta-feira (9). Um novo procedimento foi instaurado pelo MPT para apurar as condições de trabalho dos tripulantes a bordo do voo 2283.
No procedimento instaurado há dez anos, a Procuradoria afirma que "a mora salarial de forma fracionada acarreta prejuízos financeiros e sociais aos trabalhadores, além de abalo psicológico e potencial risco de acidentes aéreos" e requisita que, em caso de descumprimento do pagamento integral dos salários no quinto dia útil de cada mês, seja imposta "imediata suspensão de suas atividades aéreas".
Denúncias sobre atrasos salariais na Voepass continuaram a chegar para a Procuradoria do Trabalho. Questionada pela reportagem, a companhia não respondeu se atualmente está em dia com os salários e demais verbas trabalhistas de tripulantes e outros profissionais empregados.
Em 2019, o MPT voltou a requisitar judicialmente o cumprimento da sentença da ação de 2014. A dívida, porém, foi incorporada a um plano especial de pagamentos para contemplar dezenas de ações trabalhistas em Ribeirão Preto. Os débitos relativos à ação do MPT foram para o fim da fila e ainda não foram quitados.
Em março deste ano, o MPT em Ribeirão Preto recebeu nova denúncia envolvendo atrasos salariais na Voepass, além de fornecimento inadequado de equipamentos de proteção e uniformes. Funcionários também relataram ao órgão jornadas de trabalho excessivas, com intervalo de descanso menor do que 11 horas entre um voo e outro.
Pilotos, copilotos e comissários de bordo devem ter ao menos 12 horas de descanso, segundo o Sindicato Nacional dos Aeronautas.
Responsável pela investigação aberta neste ano, o procurador Henrique Correia decidiu reportar as denúncias para a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
"Cabe ao MPT investigar apenas o cumprimento das normas trabalhistas, mas diante de relatos de que as horas de trabalho noturno são exorbitantes, sem o devido descanso, achei importante avisar a Anac sobre as condições desses profissionais porque, afinal, eles trabalham nas alturas", conta Correia.
Na resposta ao procurador, a agencia do governo federal responsável pelo setor considerou as denúncias restritas a aspectos trabalhistas que não são da sua competência. Procurada pela Folha, a Anac não havia respondido até a publicação deste texto.
Na última segunda-feira (12), três dias após o acidente, nova denúncia de funcionários reportando falta de segurança no ambiente de trabalho foi encaminhada à Procuradoria em Ribeirão Preto.
Correia diz ter requisitado averiguação, mas fiscais federais responderam que a diligência precisa aguardar a investigação do acidente colocada em curso pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) da Força Aérea Brasileira.
A Procuradoria do Trabalho em Campinas (SP), sede regional do órgão que abrange investigações na cidade de Vinhedo, também instaurou procedimento para apurar a queda da aeronave. O caso é tratado como acidente de trabalho.
Um dos focos da nova investigação é a condição do ATR 72-500 que caiu em Vinhedo e de outros aviões da Voepass que continuam voando, segundo a procuradora Luana Lima Duarte, responsável pelo caso.
Existe a preocupação de evitar eventual responsabilização da tripulação sem a análise rigorosa do equipamento e das circunstâncias às quais os trabalhadores eram submetidos. "É muito comum que se tente atribuir culpa por um acidente aéreo ao erro humano, quando nós sabemos que essas ocorrências são multifatoriais", diz Duarte.
A reportagem também conversou nos últimos dias com três profissionais do setor de manutenção de aeronaves que atuam em aeroportos onde há operações da Voepass. Sob condição de anonimato, esses trabalhadores -nenhum deles funcionário da empresa- afirmaram que a companhia oferece condições precárias de trabalho e que isso prejudica a atuação dos mecânicos. Apesar dos relatos, eles não apresentaram provas de eventual negligência da empresa quanto à manutenção.
Quanto aos profissionais que trabalham a bordo, a Folha levantou que o Sindicato Nacional dos Aeroviários possui quatro ações judiciais coletivas contra a Voepass. Os processos envolvem atrasos salariais, o não pagamento de FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), falta de reajuste salarial e de verbas para alimentação, entre outros.
Em nota, a Voepass informou que "mantém um parcelamento em vigor e tem em curso uma negociação de parcelamento para pagamento do FGTS dos funcionários. As questões trabalhistas que envolvem ações na Justiça, são acompanhadas e devidamente tratadas".
A companhia também informou que "atua em um setor altamente regulado e rigoroso com a segurança da operação e os procedimentos da empresa atendem os padrões da aviação internacional, como a certificação Iosa, um requisito de excelência operacional emitido para os membros da Iata. Os aviões não decolam fora da conformidade", afirmou a Voepass.