Em meio à seca de proporções históricas no Brasil, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) recomendou ao Ministério de Minas e Energia, nesta quinta-feira (19), a volta do horário de verão. A orientação agora será debatida por outros órgãos do governo, mas não será implementada antes do fim do período eleitoral, em 27 de outubro.
A medida foi comunicada em reunião extraordinária do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) no Rio de Janeiro.
Conforme o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), que participou do encontro, o colegiado referendou um "indicativo" para o retorno do horário de verão. O ministro disse que é possível ter uma definição em dez dias. A implementação da medida dependeria de decreto presidencial.
Ao adiantar os relógios em uma hora, a iniciativa tentaria aliviar o sistema elétrico em meio à seca, que desafia o setor.
Silveira chamou atenção para a demanda por energia existente entre 18h e 21h, quando a geração solar sai de cena, e há necessidade de uso mais intenso de usinas térmicas, que são mais caras. A entrada em vigor do horário de verão tentaria "desestressar" o sistema especialmente neste momento.
"Não temos problema de geração de energia, graças a um planejamento bem-feito, mas temos um momento do dia, de necessidade de energia de ponta, entre 18h e 21h, em que temos de despachar quase a totalidade do parque térmico. Isso a gente sabe que custa mais e estressa mais o sistema", afirmou Silveira.
Durante algum tempo, cresceu a visão entre os especialistas de que o horário de verão havia perdido a efetividade: em 2021, um estudo do próprio ONS concluiu que, naquele momento, o sistema não geraria economia significativa de energia.
Isso porque a redução observada à noite seria compensada por aumento do consumo em outros períodos do dia, especialmente no início da manhã.
Mas, nos últimos anos, houve algumas mudanças no cenário. Com o aumento das fontes de geração de energia eólica e solar, que sofrem redução no final do dia, a medida passa a fazer mais sentido. Além disso, o padrão de consumo de energia mudou devido a fatores como o aumento no uso de ar-condicionado.
O presidente da Frente dos Consumidores de Energia e ex-diretor geral do ONS, Luiz Eduardo Barata, afirmou que a medida pode ser uma forma de aliviar o uso das térmicas e o preço da conta de luz nos próximos meses.
"Muitos dizem que a economia é pequena, mas economia é economia. Se não for prejudicial, deve ser sim implementado. É importante que o governo tome para si essa responsabilidade e faça uma avaliação ampla", disse durante evento em Brasília nesta quarta.
Silveira estimou que a volta do horário de verão poderia gerar economia ao setor elétrico na casa de R$ 400 milhões, ao diminuir o uso de térmicas. O ministro já classificou a medida como "realidade muito premente" no país.
De acordo com ele, caso o retorno seja confirmado, haverá um período até a política entrar em vigor. A ideia seria permitir um intervalo de planejamento para os setores envolvidos.
A adoção da medida divide opiniões na economia. Bares e restaurantes veem possibilidade de estímulo aos negócios, enquanto companhias aéreas temem dificuldade logística com a reprogramação de voos, principalmente internacionais.
O horário de verão foi extinto em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Silveira criticou a decisão.
Ao ser questionado sobre o que motivou a recomendação da ONS nesta quinta, o ministro falou em uma nova "visão de Brasil" e disse que as "pessoas mudam".
"A visão do conjunto do ecossistema elétrico é que tomou essa decisão hoje [quinta]. Não pesa só sobre os ombros do ONS. Pesa sobre todos nós", afirmou.
Durante a reunião desta quinta, o ONS apresentou ao Ministério de Minas e Energia um plano de contingência para o setor que incluiu a recomendação pela volta do horário de verão -o trabalho havia sido solicitado pela pasta.
Apesar da recomendação do ONS, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve adiar para pelo menos depois das eleições municipais de outubro a implementação do horário de verão.
A posição foi manifestada após pedido da presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministra Cármen Lúcia, que manifestou preocupação com a operacionalização das eleições. A informação foi publicada inicialmente por O Globo e confirmada pela reportagem.
Lula informou à ministra, por meio de interlocutores, que só não adiará essa decisão para após as eleições se o Brasil enfrentar uma crise energética grave em um futuro próximo, o que não está previsto por especialistas do setor.
Durante a entrevista coletiva, Silveira confirmou a informação. "Mesmo que o horário de verão seja decretado antes, não seria implementado antes [das eleições], porque tem alguns setores da economia, não só as urnas eletrônicas, que precisam de um prazo maior para planejamento."
O debate ocorre em meio a uma forte estiagem no país, que também sofre com uma série de queimadas. A possível volta do horário de verão é uma das alternativas na mesa do governo, que também já ampliou autorizações para o funcionamento de usinas termelétricas a gás.
A seca já causou o aumento da bandeira da conta de luz, que passou para a cor vermelha, com acréscimo nas tarifas. Ao ser questionado sobre o cenário para os próximos meses, Silveira disse nesta quinta que a decisão das bandeiras tarifárias segue critérios técnicos. A definição cabe à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
"Vou falar do meu desejo, da minha vontade, da minha torcida, para que São Pedro nos ajude e que comece a chover rápido. Que a gente tenha nossos reservatórios recuperados e que a gente não esteja discutindo aumento na conta de energia", afirmou o ministro.