Jéssica Iancoski
– Fale um pouco de seu início como poeta. Quando começou a ler poemas e quando começou a escrever poemas.
Comecei a escrever poesia aos sete anos de idade. Na época, estava na primeira série, que hoje é equivalente ao segundo ano. Lembro-me que o colégio em que estudava organizava, todo ano, uma antologia poética com os melhores textos dos alunos, por série. Eu nunca tinha ouvido falar em poesia, quando a professora passou a atividade de escrever um poema para o concurso literário da escola. Primeiro, apresentei um poema sem rima e a professora, gentilmente, me explicou que talvez ficasse melhor se eu rimasse. Eu não sabia o que era rima! Então, ela me explicou e eu adorei. Escrevi os versos "Eu tenho uma cachorrinha /e ela é bem bonitinha / mas quando eu vou para a escola / ela fica tristinha”.
Não preciso dizer que não ganhei o concurso! AHHAHAHA. Mas desde aquele dia, eu fiquei impressionada com as palavras e passei a prestar mais atenção na sonoridade delas. Começou a fazer parte das minhas brincadeiras infantis escrever, também. Escrevia, depois ilustrava e ia correndo mostrar para os meus pais!
Quanto a ler poesia, comecei tarde. No ensino médio, tive a sorte de ter boas professoras de português e literatura: Mariane Gardezani, Letícia Kolb e Janaína More. E, novamente, através da escola e do excelente incentivo docente, tive a chance de me aproximar ainda mais das palavras, pelas construções e sonoridade propostas pelos grandes. Então, me apaixonei pelo cânone literário brasileiro.
– Jéssica você é poeta e promotora cultural. Seu projeto "Toma Aí Um Poema”, de podcast avançou e agora tem uma revista digital com esse título. Como nasceu o Projeto de podcast e como esse projeto foi avançando até dar origem a uma revista?
No ensino médio, eu participei no contraturno das aulas de um grupo de estudos literários. Nesse grupo, eu e alguns alunos, com a mediação dos professores, nos reunimos para ler poesia, contos, assistir filmes e debater. Lembro que em um dos encontros eu conheci o professor Paulo, não lembro o sobrenome dele! Só lembro que ele é alguém importante HAHHAA.
Duas coisas eu lembro do Paulo, a primeira é que ele usava uns óculos bem potentes de grau, lentes bem grossas, cara e jeito intelectual dos raros; e a segunda é que ele era um declamador nato.
Certa vez, comentaram-me que o Paulo tinha um púlpito de madeira e todo dia de manhã, antes de qualquer coisa, ele declamava uns poemas em voz alta lá. Não sei se isso é de fato verdade, mas essa imagem grudou na minha cabeça.
Até que em 2020, eu resolvi tentar. Não comprei um púlpito e sim um microfone. Então, comecei a ler e a gravar uns poemas. Sem pensar muito, disponibilizei no YouTube e no Instagram. Depois de uns meses, fui perceber que as pessoas estavam ouvindo e isso me incentivou a continuar gravando. Até aí eu só declamava poesia brasileira, o cânone.
Depois, apareceram uns poetas pedindo para eu gravar os poemas deles também. Claro que eu fiz. E, assim, conforme ia surgindo a demanda e a possibilidade, eu ia fazendo. Até que, lá pelas tantas, notei que tinha material suficiente para fazer uma revista. Aproveitei também para abrir um edital online para que outras pessoas pudessem participar. Depois foi só fazer a seleção, pensar em um conceito e lançar a revista.
A parte mais difícil foi decidir quem devia participar ou não. Tem muita gente boa escrevendo! Não quero ser eu a desmotivar as pessoas, quero possibilitar o contrário. Que escrevam, escrevam, escrevam e evoluam na escrita. Quero mostrar que a poesia pode sim ser dom. Mas é treino também, até para quem tem dom. Não existe uma musa inspiradora que soprará os mais lindos versos aos ouvidos do poeta! Fazer poesia é acessar o repertório cultural, consciente ou inconsciente.
A Revista Literária Toma Aí Um Poema, é sobre isso também: equipar pessoas com cultura e pensamentos contemporâneos. Mostrar que gênios escrevem e que pessoas normais escrevem, e que ambos podem conviver juntos, trocar palavras de sensibilidade através da leitura e escrever. Não acredito em estrelismos na literatura. Acredito em troca e que todos nós precisamos do outro, das experiências do outro, do olhar do outro, do repertório cultural do outro.
– Qual é a reação do poetas? Eles gostam que você leia os poemas que eles escreveram?
A maioria gosta! É bem raro, mas já aconteceu de eu declamar poemas e o poeta não gostar. Isso acontece mais com os autores contemporâneos que escrevem pensando no poema na forma escrita ou visual. Alguns, acreditam que existem poemas que não devem ser lidos em voz alta, só apenas com os olhos - eu já notei isso! Tem poema que não cumpre a sua função reproduzido na fala. Então, eu respeito!
Eu já reparei outra coisa também: a palavra "declamar”, pode ser confundida com "leitura dramática” e isso já foi motivo de desagrado. Eu modulo a voz para ler, mas não chega a ser uma leitura dramática. Algumas pessoas criticam isso também, porque chegam com uma expectativa que não é atendida, Não faço leitura dramática! Mas reforço: é a minoria.
A maioria gosta de ter o texto lido em voz alta. Se sentem lidos e acho que é o sentimento que os escritores procuram. Sou poeta, mas também leitora ávida. E desde que comecei a ler mais e outros autores, grandes, jovens, com carreira, que escrevem por hobbie, melhorei na minha própria escrita.
Evolui empaticamente também: percebi que todo mundo tem algo a dizer, uma dor que carregar e algo frágil, da falta que ficou em a ver. Falta carinho no mundo! Ler é um jeito de contornar a situação. Pequeno? Claro! Mas super válido.
Não à toa o Podcast cresceu super-rápido né! Tenho muito orgulho de dizer que somos o maior podcast lusófono de declamação de poesia.
– Que tipo de Poesia você prefere? Por que?
Atualmente, eu prefiro poemas curtos, com imagens fortes e sonoridades marcantes. Curtos, não "curtíssimos”! Do tamanho de uma folha, está ótimo.
Também tenho apreciado muito poemas que desconstroem o verso linear. Isso em relação a forma. Poemas que podem ser desenhos, que conseguem se espalhar na página, que sofrem o efeito da gravidade ou a segmentação da vida. Gosto de tudo que rompe com a estrutura!
Agora, em relação ao conteúdo, prefiro poemas atuais que dialoguem com os sentimentos da contemporaneidade e com o momento político atual. Gosto demais das temáticas super-recentes, novamente, que rompam com a estrutura do pensamento vigente.
Acredito que prefiro poemas assim pois há troca na hora da leitura: o poema se empresta a mim e, eu, enquanto ser humano atual e recente, empresto os meus sentidos para ele. Há diálogos, há construção.
– Como analisa a sua própria obra? Fale de seu estilo artístico e de sua voz poética.
Acredito que enquanto poeta, estou vivendo a minha segunda fase. Eu diria que a minha primeira fase, que se encerrou no início deste ano, foi marcada por um eu-lírico biográfico jovem, apaixonado e sonhador. Havia muito a temática do desamor e o culto ao sofrimento como desencadeador da escrita.
Confesso que, nesta fase, escrevi um ou outro poema que se destaque, mas a maioria não. Quase todos os poemas diziam sobre mim e foram muito pontuais, com pouca possibilidade de identificação do leitor, o outro.
Entretanto, agora, na minha segunda fase, acho que estou com tudo!
Embora eu seja muito jovem, tenho 25 anos atualmente, acredito que essa segunda fase começou com a minha identidade tendo amadurecido. Acho que na primeira fase, ainda, vivia muito da adolescência e os resquícios dela.
Agora, me sinto adulta. Talvez, um pouco mais mulher, mais ou menos girino e menos ego. Sai da temática do desamor e do sofrimento para falar do Brasil, expor o agronegócio, as políticas ambientais, as questões de injustiça para com os indígenas; e, também, para escrever sobre gênero e sexualidade, não-binarismo, o corpo feminino e o digital. Acho que o meu estilo artístico e minha voz poética, comunicam-se com futuro. Com a descolonização do pensamento, dos corpos e dos estilos de vida em si.
– Fale de sua experiência de participar em Antologias Poéticas.
Participei de muitas antologias poéticas. Esses dias, estava trocando uns e-mail com o Ricardo Bonacorci, do Bonas Histórias, e ele me fez a mesma pergunta. Na ocasião, listei as últimas antologias que havia participado, algumas, ainda, nem estão com o projeto gráfico concluído.
Descobri que só no último ano participei de sete antologias: Mulheres Poetizam (E-book, organização Isabel Furini); Melhores Poemas ( E-book, organização Isabel Furini); Mulherio das Letras na Lua (2021, organização Chris Herrmann e Adriana Mayrick); Coletânea Enluaradas II: Uma Ciranda de Deusas (2021); Mulherio das Letras Portugal (2021); Antologia Seguir o Sol (2021, Psiu Editora) Antologia Patuscada (2021, Patuá).
Tirando essas, sinto apenas necessidade de mencionar a minha primeira antologia poética. Participei aos 16 anos, com o poema "Rotina Decadente” e ganhei inclusive uma plaquinha de vidro, de reconhecimento da Academia Paranaense de Letras, por ele.
Sem falar das revistas digitais e menções honrosas em concursos! Tenho textos publicados na Mallarmargens, na Ruído Manifesto, na Acrobata... Eu gosto muito de participar desses projetos.
Na minha cabeça, somos todos da mesma família: a família literária da internet. E adianto que o O Toma Aí Um Poema é a tia boazinha!
– Como faz os títulos de seus poemas? Você escolhe alguma palavra do poema, procura inspiração em outros textos ou os títulos surgem na sua cabeça?
Normalmente, eu começo o poema pelo título. O título, na minha obra, costuma ser a palavra-chave para entender o rumo dos sentidos. Só depois do título definido que começo a procurar as imagens para aquilo que quero dizer.
Quando não começo pelo título, o título surge ao final, quase espontaneamente. Não consigo pensar em algum poema que escrevi que foi difícil encontrar o título.
Costumo dar título para todos os poemas e odeio poemas sem títulos - para mim, parece que fica faltando uma parte e nesses casos, vale a máxima: o título do poema sem título é sempre o primeiro verso e se for muito longo, então, parte dele.
– Nesta época muitas pessoas escrevem poemas. Você pensa que essa explosão poética elevará a poesia ou a banalizará?
Nem um nem outro! Acho que a poesia é uma constante. O fato das pessoas estarem escrevendo e compartilhando mais poesia, não é capaz de elevá-la. Bem como, também, não é capaz de banalizá-la. O que eleva a poesia é crítica, os críticos e, pasmem, o que a banaliza também são os críticos!
O que esse aumento do número de escritores de poesia é capaz de fazer é criar e gerar um mercado. Esse mercado vem sendo muito bem explorado, tem gente fazendo muito dinheiro organizando antologias.
Lembra daquilo que eu disse antes, os escritores querem ser publicados. E, agora, anotem: o que diferencia um bom escritor de um simples escritor é a capacidade dele de gerar leitores e não as publicações em si.
Pois, ao se criar uma demanda no mercado, surgem as prestadoras de serviço. Hoje, é muito mais fácil ser publicado do que ser lido. Isto sim banaliza a poesia.
Então, atenção, escritor: você está sendo publicado! Não está sendo lido. Uma publicação, não garante a leitura do teu poema. Valorizem as editoras e não as prestadoras de serviço, valorizem os leitores e não as publicações.
Só para você pensar agora: Eu, Jéssica Iancoski, poeta de Curitiba, estou aqui, na metade dos meus 25 anos, dando essa entrevista para o Paraná Imprensa e, adivinha, não tenho nenhum livro publicado na versão impressa! Mas tenho leitores. Portanto, reforço, escrevam poesia, escrevam muita, muita poesia! Publiquem em revistas, participem de concursos literários, enviem material para antologias.
Mas mais do que isso valorizem os seus leitores e as editoras que não são prestadoras de serviço. Depois, construam relações com os críticos e escutem o que eles têm para te dizer.
Não é necessário acatar, mas é preciso escutar. Assim, você se tornará um poeta não banalizado.
- Na sua opinião: as mulheres estão conseguindo um espaço importante no mercado editorial brasileiro?
Claro e ainda bem né? As mulheres sempre foram as principais leitoras, em toda a história. Mas a literatura, que as tinha como destino, era produzida por homens. Sejam as revistas para mulheres, muitos dos romances, as novelas .
Os homens, através de suas crenças estruturalmente masculinas, pensavam sobre a mulher e, então, concluíam o que elas queriam. Mas no mundo, cada um só consegue pensar sobre si a fundo.
Quando os homens pensavam sobre as mulheres, estavam pensando sobre o que ELES HOMENS achavam que as mulheres queriam. Essa história, me lembra uma startup formada por homens que solucionou um problema feminino que não existia: eles desenvolveram uma luva "higiênica” para que a mulher tirasse o absorvente sem sujar a mão. Eles conseguiram até investimento, de um grande ivestidOr HOMEM, para alavancarem a ideia.
Mas, adivinha? Ao escutarem as MULHERES, descobriram que 99,99% delas não tinham a necessidade de uma luva para retirar o absorvente. E que achar que a menstruação poderia ser algo "anti-higiênica", era algo masculino. Isso levou a ruína da startup. As mulheres não aceitaram esse pensamento. Não aceitariam a menstruação ser vista dessa forma.
O mesmo aconteceu com a literatura. As mulheres não têm mais aceitado os pensamentos masculinos em relação ao feminino, sobre o que uma mulher deveria querer, como ela deveria se portar, o que ela deveria fazer com o seu corpo.
Isso tudo mudou, sobretudo, quando a mulher conseguiu gradativamente a sua emancipação financeira. A mulher agora faz o que ela quiser, quando ela quiser, se ela quiser e como bem entender.
Então, novamente, abriu-se gradativamente um mercado: o mercado da mulher que pensa os seus próprios pensamentos, que dita as regras do próprio corpo, que decide o que fará com ele.
E, como as mulheres sempre foram as principais leitoras, não é difícil perceber que elas querem ler coisas que as mostrem como fortes, empoderadas, bem resolvidas.
Não à toa, tem muito homem se apoderando das narrativas femininas para escrever - inclusive, o último vencedor do prêmio Sesc na categoria contos: um homem, escrevendo sobre as mulheres REAIS.
Antes que me levem a mal, os contos são bem escritos. O cara escreve bem! Eu gostei da representatividade. Mas faltou algo da própria experiência feminina, faltou o sentimento de ser mulher em um mundo que é sempre dos homens.
Sempre um homem.
Já chega, né?
- Fale de seus planos para o segundo semestre de 2021.
Em 2021, continuarei escrevendo. Quero publicar meu primeiro livro impresso. Tá pronto, só falta a editora ler o meu e-mail. Espero que leiam e que aceitem publicar. Também quero lançar a segunda edição da revista e desenvolver um ou dois cursos de poesia, com o selo do Toma Aí Um Poema. Acho que esses são os meus dois planos principais!
Ah, e o mais importante: para além da literatura, quero voltar a morar junto com a minha namorada e a nossa Buck! Espero que tudo dê certo.
Essa entrevista foi publicada por Isabel Furini, no Paraná Imprensa, em 28 de junho/2021