A vitrine e o interior da grande loja da esquina estavam totalmente tomados pela decoração de Natal.
Um Papai Noel mecânico, tamanho adulto, postado na entrada da loja, tocava as músicas tradicionais de Natal, atraindo, assim, os transeuntes.
No interior da loja, uma enorme variedade de brinquedos, a maioria aparentando alta tecnologia, deslumbrava os olhos das crianças… e preocupava os bolsos dos adultos!
Do lado de fora da loja, eu observava, um tanto quanto alheio, a disputa pelos presentes da moda. E ali eu estava, a princípio, para comprar alguma lembrança para familiares, parentes e amigos.
De repente, algo me chamou a atenção; ou melhor, alguém! Ao meu lado, somente então observei que uma criança também olhava a vitrine e o interior da loja.
Era um menino, magrinho, aparentando ter entre 7 a 9 anos de idade. Estava descalço e vestia uma camisa já desbotada e um calção surrado.
A primeira impressão que tive foi de que se tratava de uma criança de rua, abandonada. E, em assim o sendo, tudo daquela vitrine e do interior da loja representava-lhe tão somente sonhos!
Todavia, ainda que aparentando ter consciência disso, o menino se deleitava apenas pelo contemplar do grande Papai Noel, dos brinquedos, dos enfeites e das luzes natalinas.
Aquela imagem gerou-me uma mistura indefinida de sentimentos. E, num primeiro momento, lembrei-me que um dos meus propósitos dos finais de ano ─ até esse momento nunca realizados ─ era escolher uma daquelas cartinhas que as crianças pobres colocam nos correios, na esperança de ganharem presentes, e os pais, uma ceia de Natal.
Vi, naquele instante, naquele garotinho, a oportunidade real de reconciliação com minha consciência.
Entusiasmado, e sem pensar nos gastos, antes mesmo de procurar saber seu nome, perguntei-lhe qual dos brinquedos da loja ele gostaria de ganhar.
Ele olhou-me com um olhar de grata surpresa e, sem titubear, apontando para um canto da loja, respondeu:
─ Aquele ali, o autorama!
─ Autorama? ─ perguntei-lhe, meio que contendo uma risada.
─ Sim, o autorama ─ ele insistiu, convicto.
A minha surpresa e a minha risada tinham razão de ser, pois esse brinquedo, pelo menos na época da minha infância, era um dos brinquedos que toda criança sonhava ganhar. E, naqueles moldes, deixou de ser fabricado há muito tempo.
─ Mas, filhinho, eu não estou vendo esse brinquedo naquele canto. E não estou vendo, porque ele não existe mais. Ele não é mais fabricado. Você tem certeza de que ele está lá?
─ Tenho, tio! Olha lá os carrinhos correndo…
─ Filho, você não prefere outro brinquedo?
─ Não, tio! Eu morro de vontade de ter um autorama!
A insistência dele despedaçou meu coração e, ao mesmo tempo, me deixou preocupado. Comecei a pensar que ele poderia ter algum problema mental. E, diante desta hipótese, tentei desviar o rumo da conversa.
─ Como é o seu nome, filhinho?
Ele me olhou como se não tivesse ouvido a pergunta. E, sem insistir nela, fiz outras tantas:
─ Qual é a sua idade? Onde você mora? Onde estão seus pais? Você está na escola?
Não obtive nenhuma resposta a elas, porém.
Diante desse silêncio, olhei novamente para dentro da loja, procurando por algum brinquedo que talvez ele pudesse gostar.
Ao me deparar com um, com o qual apostei como um substituto, decidi-me por oferecê-lo à minha enigmática criança. O menino, todavia, já não estava mais ao meu lado. Ele estava virando a esquina. E, ao completar a curva, desapareceu da minha vista. E, num primeiro momento, para sempre da minha vida!
Aquela partida repentina deixou-me perplexo, desorientado, angustiado…
E somente naquele momento dei-me conta de que, quando menino, eu também desejava, ardentemente, ter um autorama. Entretanto, assim como outros tantos brinquedos, nunca o tive!
E também percebi, somente naquele momento, e agora mais claramente, que nem o Papai Noel tocando as músicas natalinas, nem a grande árvore de Natal toda decorada, nem os brinquedos, nem os enfeites e nem as luzes natalinas exerciam mais em mim o mesmo efeito de outrora.
Eu me tornara adulto e já entrando na terceira idade. E as muitas perdas, de coisas e de pessoas pela vida afora, levaram consigo, também, o encanto do Natal.
Olhei novamente para a esquina, tentando, mais uma vez, encontrar o garotinho. Mas, ele se fora, definitivamente. E, com ele, em seguida, eu também. Em busca do meu Natal… do meu Natal-menino!
Sergio Diniz da Costa
Sergio Diniz da Costa na foto de Teófilo N. Duarte
SERRGIO DINIZ DA COSTA. Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros, um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Inter-NET Jornal, Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA - Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes, membro Fundador da ALSPA - Academia de Letras de São Pedro da Aldeia e Membro Correspondente da ACL - Academia Caxambuense de Letras. Autor de 7 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu as seguintes honrarias: Pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; Pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Medalha Mérito Acadêmico, Comenda Láurea Acadêmica Ouro, Comenda Maria Quitéria Heroína da Pátria e Moção de Honra ao Mérito; a Comenda do Mérito Histórico Dom João VI , Honorável Mestre da Literatura Brasileira, Doutor Honoris Causa em Comunicação Social, Medalha Comemorativa Bicentenário de Nascimento de Anita Garibaldi e Diploma Caneta de Ouro ; Pelo CSAEFH – Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os Títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Defensor Perpétuo do Patrimônio e da Memória Histórica de Sorocaba e Benemérito Pesquisador em Artes e Literatura, Comenda Mérito Literário Goncalves Dias e Defensor Perpétuo do Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro; Pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; Pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; Pela OMDDH - Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos: Destaque Cultural 2020; Destaque Social 2020; Embaixador da Paz, Paladino dos Direitos Humanos, Doutor Honoris Causa em Direitos Humanos e a Comenda Internacional Diplomata Ruy Barbosa "O Águia de Haia", com o título honorífico de Comendador da Justiça de Paz.