Até 2015, orientava uma oficina de criação literária. Um dia, estava na fila do biarticulado, quando fui empurrada por duas mulheres, acompanhadas por uma adolescente e uma criança. Uma das mulheres levava uma revista nas mãos. Elas correram para ocupar os quatro lugares livres. Uma das mulheres e a adolescente sentaram-se em lugares comuns, e a outra mulher e a criança, que teria 4 ou 5 anos, ocuparam um desses bancos que tem um pequeno cartaz informando "Preferencial”.
No terminal Portão, subiu uma senhora que parecia muito idosa, caminhando encurvada e mal conseguindo se segurar. Parou ao lado do banco da mulher com a revista, e perguntou se ela poderia ceder um dos lugares, segurando a criança no colo, pois tinha 80 anos e era difícil para ela ficar em pé. A mulher fez cara de quem não gostou, mas pegou a criança no colo. Minutos depois abriu a revista com um movimento rápido, estendendo os braços de maneira de afundar o cotovelo esquerdo no tórax da idosa, na altura das costelas, que gemeu de dor. A mulher com a criança no colo foi virando as páginas. Cada vez que virava uma página, fazia esse movimento violento para afundar novamente os cotovelos nas costelas da idosa que estava de seu lado. Até que a idosa decidiu se levantar. A criança pulou sobre o lugar vazio, com ar de triunfo. E a mulher tocou o braço da que estava no assento da frente, e ambas gargalharam. Pouco depois, um senhor muito educado ofereceu o seu lugar para a idosa.
Depois da Praça do Japão, a mulher com a revista na mão disse para a outra:
- Na próxima descemos, pois minha igreja fica a duas quadras. Você vai gostar, é tão lindo ir na Igreja e ter Deus no coração.
No próximo ponto desceram as duas mulheres, a adolescente silenciosa e a criança. Uma senhora que estava em pé ao meu lado, e havia presenciado como a mulher com a revista nas mãos se livrara da idosa mediante cotoveladas, olhou para mim e disse em voz baixa:
- Deus no coração e o diabo nos cotovelos
Isabel Furini